terça-feira, maio 16, 2006

A vida - Um jantar em casa em honra a Primavera







Em finais de Março, em casa, a minha mulher, a Angela, resolveu, e bem, fazer um arroz de carqueja, um vulgar arbusto usado com mestria na gastronomia beirã como planta aromática. Como era uma experiência nova e ansiada e, ainda por cima, repentina, achamos por bem partilhar a tentativa com mais pessoas, melhor, achamos interessante arranjar «cobaias» para partilhar a tentativa. Na verdade, quando se vai tentar um prato pela primeira vez, deve-se ter convidados em casa, porque se a coisa sai mal, joga-se com o constrangimento, nunca vai tudo para o lixo, uma questão de… economia!

Assim, convidamos os nossos vizinhos Cláudia e Pedro e a Rosa e o Rui, dois casais amigos, porque para convites, fica sempre bem pôr as mulheres em primeiro lugar.

Vamos lá ao arroz de carqueja. E ao jantar.

O arroz para estar óptimo teve um único problema: a cozedura, passou-se um pouco, por minha culpa; fui o responsável pelas compras finais e levei para casa um carolino, quando a Angela me havia pedido um bom agulha (estranho, porque os espanhóis praticamente só utilizam o carolino), que comporta, pede, uma cocção longa e tranquila, mais o facto de se ter distraído a terminar as entradas, as tapas.

De resto, espantou-me o aroma da carqueja, dá um perfume tremendo, aliás, sem exageros, perfumou toda a zona social da casa, não fazia ideia que tal pudesse acontecer. E o sabor é excepcional, muito fresco e marcante, faz lembrar a leveza da hortelã, mas com toque de palha seca, feno ou algo parecido, muito bom. Até me fez lembrar o micócó. Vamos repetir brevemente, sem dúvidas.

Percebi agora a proliferação do arroz de carqueja nas cartas de quase todos os restaurantes tradicionais das Beiras, sobretudo no interior. A carqueja parece ter muito potencial, só não percebo a sua utilização culinária limitar-se ao arroz.

Para acompanhar o dito, optamos por um tinto ribatejano, o Cadaval Pinot Noir 1998, e outro tinto espanhol, da Ribera del Duero, o Más de Leda 2003. Qualquer um deles, muito bom, apesar da diferença de estilos; o Pinot, da Casa Cadaval, mais elegante e exigente; e o Tempranillo, da Más de Leda, mais de ataque e directo.

Outro pormenor, estive na dúvida com o vinho para as entradas, quase tudo a base de marisco, fumeiros, patés e foie-gras, mas também com uns espargos com iogurte, regados com azeite xtra virgem aromatizado de lima, optei por um Valle Pradinhos Branco 2005, que gosto muito, nunca desilude, sobretudo, se bebido a temperatura adequada, por volta dos 10º, para realçar a complexidade dos aromas. Não consegui ter a certeza de ser a melhor a escolha para o conjunto das entradas, se calhar devia ter arranjado um outro branco, não sei, talvez um mais seco, um Xerez Fino ou um Dão Encruzado, porque isso de combinar vinhos com lácteos, no caso, iogurte, não é fácil.

Posso dizer que terminamos com um Dow's Vintage 2003 e um Duquesa PX, para celebrar. E aqui tenho que parar um pouco para realçar a excelência deste Porto, oferecido pelo Rui, por isso, desde já, o meu profundo agradecimento, porque a experiência báquica foi de sonho.

Os Vintage só são possíveis em anos muito bons, os Porto Vintage 2003 são vinhos excepcionais, ou melhor, o ano de 2003 foi um ano fantástico no Douro. Este Dow’s é simplesmente considerado pela crítica internacional e portuguesa como um dos melhores, p/ ex., 19,5 pontos na Revista de Vinhos, 18,5 na blue Wine e 96,5+ Roy Hersh (um dos grandes especialistas mundiais em vinhos do Porto). E fez jus aos pergaminhos que trazia. Divinal e indescritível. Não é melhor do que os meus Vintage 2003 preferidos, o Fonsecas Guimaraes e o Poças Director’s Choice, mas está ao nível dos melhores, sem dúvidas.

Num clima de descontracção, boa onda e óptima conversa, fomos degustando, a verdade é que o jantar foi muito bom.

Abílio Neto

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