terça-feira, maio 30, 2006

O filme - Infiltrados, Spike Lee








Spike Lee não tem nada a provar. Nunca teve.

Sobre os filmes dele, já li e ouvi dizer que eram filmados com truculência, que estava preso a um olhar único, que era óbvio na abordagem, que o argumento ia condicionado, que não era capaz de fazer um grande filme e patati patata. No Inside Man não vi truculência, vi subtileza, vi minimalismo, vi cinema do melhor, por isso, ignoro o resto e o patati patata, e afirmo directamente: desde o seu primeiro filme que Spike vem fazendo grandes filmes, e este é mais um, só pode pensar o contrário quem não gosta de cinema com autoria ou um crítico de cinema europeu.

Este filme só vem provar que o Spike Lee, ou melhor, a sua Directora de Casting, no She Hate Me, Kim Taylor Coleman, cometeu um tremendo erro ao entregar o papel principal ao Anthony Mackie, não que ele seja mau actor, simplesmente não servia, o Chiwetel Ejiofor é bem melhor, porque sim, e porque consegue boas mudanças de ritmo, tem química e é credível em tudo o que faz, e isso nota-se aqui no Inside Man.

Contar com Chiwetel é poder abusar das subtilezas e vantagens da escola inglesa de interpretação. A Directora de Casting, que é mesma, redimiu-se, e fez bem. O melhor do filme passa pelo constante diálogo interpretativo entre as personagens do Denzel e do Chiwetel e pela excelência dos secundários.

E é aqui, na direcção de actores, sobretudo, dos secundários, que Spike Lee tem mostrado toda a mestria do seu cinema, e se assume como autor, tão autor quanto Woody Allen é um autor. Ir ao cinema para ver os seus filmes, e gostar, está destinado aos que se divertem com interpretações dos secundários, o mesmo acontece com o cinema de Woody Allen, que também não é simpático a muitos, precisamente, pela importância atribuída aos secundários, o que tem o bom efeito de disseminar a narrativa em diversos centros, obrigando a toda a atenção do público. Mais quando, os secundários têm matéria, argumento bem escrito, contido e minimalista, para trabalhar a fundo a interpretação.

A Jodie Foster não precisou de fazer «cara feia». O Clive Owen não precisou de ser mau. O Christopher Plummer deixa dúvidas enquanto diz palavras. Nada é certo, incluindo o final. É tudo assim, pouco claro. Como é evidente, nem toda a gente está disposta a ir ao cinema para isto, para o imprevisível. Aceitável, mas contestável.

O pormenor da música inicial (da abertura) tem criado alguma polémica, nomeadamente, sobre o seu propósito. Eu cá tenho a minha ideia sobre o assunto. Salta a vista, nas primeiras cenas do filme, a profusão de utilizadores de i pods pelas ruas de NY. Toda a gente tem auscultadores brancos nas orelhas. Ora, a cultura das podcast - a qual não aderi, porque gosto de ouvir música em casa, à antiga, em stereo hi-fi - , baseia-se em coleccionar música como quem colecciona informação ou selos, ou seja, os i poder armazenam canções para as transportarem. E o que o Spike quis desmontar é essa ideia de coleccionismo musical, sem sitio nem conexão possível, valoriza-se mais o que for mais distante, quanto mais estranho melhor. E aquela música, só pode fazer sentido nessa perspectiva. Eu teria escolhido qualquer coisa do Japão, talvez do Nobuzaku Takemura, alguma electrónica planante, atmosférica, jazz e world music, à mistura. Se fosse eu!

Mas que grande filme, de qualquer forma.
Abílio Neto

4 comentários:

fdesousa disse...
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fdesousa disse...

Mas seria muito mais interessaste este filme sem o Denzel. Por uma só razão: o Denzel não permite cenas de amor com mulheres brancas. Penso que seria delicioso explorar aquela carga erótica entre ele e a Jodie F.
Estou farto que me digam “esta gaja é boa, mas não é para ti”. Dá –me sempre vontade de rir. Como se existisse uma liga de gajas à parte. Penso que uma história, perto de ti, prova o contrário.
E todos nós sabemos que existem apenas dois tipos de mulheres: The footballers’s wive$ ( talvez a série de televisão mais arrojada de sempre) e as outras. SU
FS

Ps Permite Anónimos

Abílio Neto disse...

Caro,

Absoluta razão. O Denzel é uma espécie de eunuco de Hollywood, sempre que contracena com actrizes brancas. Cria-se o clima, mas nada! Os 2 exs. classicos são o que mencionaste (realmente, uma carga erótica incrível...) e o do «Dossier Pelicano» com a Julia Roberts, neste, inclusive, a própria actiz, numa entrevista, disse que não tinha percebido como é que o argumentista tinha sido tão incompetente, quando a concretização sexual era inevitável e ela queria beijar o Denzel... É que nem a Julia Roberts queria fazer parte da Liga das gajas à Parte, fizeram-na pertencer. Estranho que o Spike se tenha deixado ir.

Abraços,

Abílio Neto

marco venutto disse...
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