segunda-feira, dezembro 18, 2006

A exposição - Francisco Vidal, Galeria 111





Não fui ver a exposição. Subbus. Esteve na Galeria 111, em Lisboa de 16 de Setembro a 28 de Outubro.
Ando assim, as coisas chegam-me depois de terem acontecido, por exemplo, a derrota do Sporting com o Benfica chegou-me assim, depois, e o concerto do Gregory Isaac também. No caso do derby, ainda bem, no caso da exposição do Francisco Vidal, que soube dela lendo com atraso o suplemento Mil Folhas do Público, ainda mal.
O que começou por me impressionar, do que li e vi no jornal, foram as imagens do quadro acima, Retrato de Zadie Smith Lendo On Beauty. É que sou um apaixonado confesso da Zadie Smith e da sua obra, tenho e li, os seus dois 1ºs romances, Dentes Brancos e O Homem dos Autografos, tudo o que ela escreveu e foi editado em Portugal. Nas férias em Espanha, acabei de comprar e começar a ler, o seu 3º romance, o On Beauty / Sobre la Belleza.
O que me continuou a impressionar, sobretudo a intrigar, foi desconhecer o artista e as suas motivações. Hoje sei um pouco mais e a obra já faz todo o sentido, vou-lhe seguir o rasto, porque tenho todo o interesse nisso.
Tomo a liberdade de citar excerto sobre a exposição retirado do site da Galeria 111:
«Apoiando-se num modelo que mantém laços estreitos com o pensamento visual e crítico que ocupa, por exemplo, os espaços de uma fanzine ou de uma colecção de posters, as obras de Francisco Vidal assumem-se como gestos contínuos e irreparáveis de sampling do fluxo de imagens que, de forma deliberada ou meramente acidental, fazem parte do seu (e do nosso) quotidiano. Como quem procura formular uma pergunta - e não dar uma resposta - as obras de Vidal convocam-nos a embarcar numa viagem ao Subúrbio de uma condição cultural, que tem a tarefa complexa de pensar e articular noções como colonialismo e pós-colonialismo, centro e periferia, identidade e alteridade, africanidade e portugalidade, razão e emoção, caos e ordem. »

Ver aqui:
Galeria 111


Parece-me que não haverá muito a dizer, a não ser que o Francisco Vidal é filho de uma cabo-verdiana e de um angolano, se bem percebi, nascido em Portugal. E com isso fiquei a saber que a Zadie Smith tem o seu culto em Portuagal, ainda bem.
Abílio Neto

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A água - A Nova Campanha da Perrier





Nova campanha publicitária da Perrier. Lindo!
Eu gosto da Perrier, porque a garrafa é linda e porque quando se bebe não engana, as borbulhas não escondem o líquido, é a água com gás que bebo habitualmente, mais ainda, desde que a portuguesíssima Castello passou a ser propriedade da Nestlé. Não que eu tenha algo contra a multinacional holandesa, que até foi a salvadora da Perrier, que foi adquirida em momento de enorme crise, problemas com o benzeno, simplesmente faz-me confusão a globalização assim. Explico-me. A Perrier sempre foi cosmopolita, a Castello não, é da provícia e devia manter-se assim.
Provavelmente, a menos vista em Portugal, e mais, upa! cara, San Pellegrino será a única água gaseificada ao mesmo nível, com a desvantagem não ser uma canção da Adriana Calcanhotto.
Não quero mudar você nem mostrar novos mundos pois eu, meu amor, acho graça até mesmo em clichês.

Adoro esse olhar blasé que não só já viu quase tudo mas acha tudo tão déjà vu mesmo antes de ver.

Só proponho alimentar seu tédio. Para tanto, exponho a minha admiração. Você em troca cede o seu olhar sem sonhos à minha contemplação:

Adoro, sei lá por que, esse olhar meio escudo que em vez de meu álcool forte pede água Perrier.
Adriana Calcanhoto, Água Perrier, in cd «Senhas».
A Perrier está para um single malte como a Angelina Jolie está para Brad Pitt, parece-me uma relação perfeita, subversiva e absolutamente compatível.
Abílio Neto

quinta-feira, dezembro 14, 2006

A verdade - Ana Sousa Dias Entevista Daniel Baremboim




Extraordinária entrevista. Terça-feira, 12 de Dezembro de 2006., Por Outro Lado, na 2, cerca das 23 horas.
O pormenor. Mais ou menos assim.
Ana Sousa Dias: E se o Sr. não se entende com um solista, isso não levanta problemas...?
Daniel Baremboin: Não. Isso é muito feminino.
Dentre outras coisas deliciosamente ditas, olhadas e sugeridas, mais esta, quando a entrevistadora lhe pediu um comentário sobre a relação de amizade que mantinha com Edward Said. Com uma elegância impossível de se descrever, que é a sua, o maestro fez o comentário que o define, enquanto homem, inteligente, aberto e judeu.
Daniel Baremboin: tinhamos muito em comum, sobretudo a multi-identidade.
Acho que ninguém é capaz de reflectir sobre estas palavras, sobre esta curta frase, sem ter a estúpida pretensão de, ao menos, escrever um livro sobre elas. Isto vindo de um ilustre judeu que teve a coragem de tocar Wagner em Jerusalem, com a sua Orquestra West Eastern Divan, num auditório de 3000 pessoas, cheio, quase tudo judeus, após ter mantido uma conversa de cerca de 45 minutos com o público, interrogando se deveria fazê-lo ou não. Segundo Daniel Baremboin sairam da sala mais ou menos 80 pessoas, e nos dias seguintes, os políticos fizeram o resto na comunicação social.
Abílio Neto

segunda-feira, dezembro 11, 2006

O valor - Festival Hola de Cinema Ibérico




Na quinta-feira passada estive no Cinema São Jorge em Lisboa na Gala de Abertura do Festival Hola.

Gostei de estar. Gostei da festa. E gostei muito do 1º filme exibido, a ante-estreia em Portugal de «Babel» realizado por Alejandro González Iñarritu («Amor Cão» e «21 Gramas»), com Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael Garcia Bernal entre outros. Simplesmente genial. Sobre ele voltarei com mais calma, porque já é um dos meus filmes do ano. A banda sonora e o argumento são soberbos.

Parece-me que, desta vez, Lisboa pode ter um festival de cinema a altura, ou seja, influente e decisivo, na promoção da cinematografia que lhe serve de tema. Parece-me convir que a cinematografia portuguesa poderá beneficiar da associação a espanhola, desde que não prevaleçam os habituais complexos.

Pelo dia de abertura, deu para ficar com a ideia que aposta está feita, falta saber que resposta dará a cidade, o público, os promotores, os media e os agentes e as gentes do cinema.

Sinceramente, enche-me de orgulho saber que a mentora, gestora e directora da iniciativa que seja uma mulher, uma mulher africana, uma mulher africana negra e uma mulher africana negra que eu conheço, a Ossanda Forge.

Da Ossanda já conhecia o bom gosto, a atenção (óptima anfitriã, espero ter estado à altura quando tive a oportunidade de recebê-la em minha casa, se não, outras oportunidades surgirão), a determinação nas opções, a convicção para realizar, faltava-me saber se era capaz de fazer e fazer bem, pois, a resposta está na organização do Hola Lisboa. Parabéns Ossanda.

Mais orgulhoso estou por saber que o Angelo Torres faz parte do júri.

E ainda orgulhoso por a Gala ter sido apresentada pelo Hoji «Henda» Fortuna, diga-se, que com alguma insegurança, alguns momentos menos conseguidos, mas no geral bem também, o descaro e a alegria do apresentador fizeram o equilíbrio.

Aconselho visita ao site oficial: www.holalisboa.com

Abílio Neto

A política - os ditadores (II)





Outro menos...
Não havendo um pingo de ironia numa ditadura, menos ainda num ditador, Pinochet conseguiu que a vida lhe pregasse essa partida, conseguiu que o seu fim fosse uma ode a ironia: morreu no Dia dos Direitos Humanos, sem necessidade de ser julgado pelos seus crimes. Deus encarregar-se-á de fazer o resto porque os homens não seriam capazes, é nessas alturas que, a mim, muito me convém que Ele exista.
Lembro-me de ter tido um colega e amigo chileno em São Tomé e Príncipe, em finais dos anos setenta, chamava-se Ernesto, ele o irmão e a mãe eram perseguidos pelo regime do general Pinochet e os meus pais estavam presos, por «crimes políticos», pelo regime do Pinto da Costa, pois, a ditadura santomense deu-se ao luxo de receber perseguidos de outras ditaduras - outras ironias, outros tempos, os da guerra fria -, desde aqui, seguro que o Ernesto e a família não me irão ler, mando-lhes um grande abraço por finalmente ter acontecido a sua libertação mística ou cósmica ou até espiritual.
Que brevemente tenhamos a notícia da morte de outro ditador!
Abílio Neto

quinta-feira, dezembro 07, 2006

A figura - Ed Bradley (1941 - 2006)




(1941 - 2006)

Vieram-me lágrimas aos olhos, mas enxotei-as, já explico, não chegaram a sair.
Não sendo um tipo de grandes emoções, emocionei-me ao ver na SIC Notícias, no passado 18, o especial «60 Minutos» em homenagem ao Ed Bradley.
Não vou estar para aqui a dizer quem era o Ed Bradley, muito menos vou dizer porque é que ele deve ser admirado e ainda menos que eu era um fã dele, e sou, um fã absoluto do «60 Minutos» da CBS, que passa na SIC Notícias ao fim de semana. Da qualidade jornalística é que não falo mesmo.
Desde sempre, digamos que há 20 anos, venho dizendo aos meus amigos que quando chegar aos 40 quero fumar cachimbo, ser bem gordo e exibir uma barba precocemente branca, os dois primeiros estão de molho, mas em evolução, enquanto que o terceiro, está vaidosamente conseguido. Tenho a barba branca, sinto-me mais cool e seguro, e quando penso no Ed Bradley vem-me logo a cabeça a sua barba branca e o seu olhar tranquilo - tranquilo até entrevistando o Timothy MCveigh - , mais seguro fico.
(Não vale rir, é que eu não posso falar do Ed Bradley sem falar do seu fabuloso estilo e da sua discreta vaidade, resumindo, o homem era a personificação do coolismo, até no seu profundo amor ao jazz).
E não deixei as lagrimas sairem porque seria ofender a homenagem que se pretendia fazer a um ser cool.
Com atraso, tenho que assumir que deixa-me saudades.
Abílio Neto

sexta-feira, novembro 10, 2006

O político - Donald Rumsfeld



Adeus! E não voltes, por favor.

Abílio Neto

terça-feira, outubro 24, 2006

A arte - Martin Munkácsi, Museu Martin Gropius Bau em Berlim








Think while you shoot, o conceito do Martin Munkácsi.

Para muitos, incluindo Bruce Weber, Richard Avedon e inclusivamente Henri Cartier-Bresson, Martin Munkácsi (1986-1963), fotógrafo húngaro, foi o percursor da fotografia moderna, sobretudo, do foto-jornalismo e da fotografia de moda.

Para mim, confesso, era um ilustre desconhecido – conhecia as suas fotografias mais famosas, sem saber que eram dele -, até o ter descoberto no Museu Martin Gropius Baú, em Berlim, há cerca de quinze dias atrás, numa exposição retrospectiva da sua obra. Uma verdadeira revelação.

Martin Munkácsi, na vanguarda ao seu tempo, relativamente a fotografia de moda, optou por captar os movimentos naturais dos modelos, subvertendo a regra das poses estáticas, feitas para resultar previsivelmente, o que revolucionou a abordagem; e na vanguarda também do foto-jornalismo,
Three Boys at Lake Tanganyika, uma das coisas que eu conhecia (como confessei, desconhecendo a autoria), fala por si e marca indubitavelmente o nascimento do género. Ter tido o prazer de a ver, em Berlim, emocionou-me e muito.

Já agora, aproveito e cito, em inglês, as palavras de Cartier-Bresson sobre a Three Boys:

«I suddenly understood that photography can fix eternity in a moment. It is the only photo that influenced me. There is such intensity in this image, such spontaneity, such joie de vivre, such miraculousness, that even today it still bowls me over.»

Sendo uma retrospectiva muito completa da obra de Munkácsi, devo dizer que o que vi, genialidades atrás de genialidades, constituiu um dos momentos top culturais deste ano.


Abílio Neto

sexta-feira, outubro 13, 2006

O livro - Um Novo Mundo Feliz, Ulrich Beck




A tese é muito simples: o mercado laboral europeu tendencialmente está a aproximar-se dos mercados laborais do «3º mundo», no qual a precariedade do vínculo é a nota dominante, sendo o Brasil apresentado como case study.
Por isso, julga, e bem, o autor que o Welfare State está condenado, o que poderá levar, muito provavelmente, a condenação da própria democracia de cariz assistencial, conforme se conhece hoje.
Um diagnóstico mais ou menos conhecido, mas difícil de trabalhar, em termos, de alternativas à actual situação. Para a Direita, sem visão, está bem que a coisa vá nesse sentido; para a Esquerda, também sem visão, está bem que a coisa fique como está; e depois, há a outra Esquerda, a do Ulrich Beck (UB), que sugere novos caminhos, propondo rupturas e apresentando indicações do que se poderá fazer para obviar o inevitável.
No ensaio principal, UB, aprofunda, uma vez mais, a sua análise, sob o enfoque no mundo laboral, ao conceito de Sociedade de Risco, a sociedade actual, chocando a velha Europa com o novo Brasil, mas deixando espaço para que outros ensaistas joguem o mesmo jogo no seu campo, apelando a sua territorialidade específica, EUA, Ásia e África.
O giro é que o UB e os outros autores, fundamentalmente, utilizam o conceito de Sociedade Civil para responder a questões que são colocadas pelo mercado, ou seja, trazem um conceito político, muito pensado para a cidadania, para a arena do competitivo mercado laboral. Mixa. Muitas das soluções propostas sugerem que o futuro passa por uma profunda articulação entre o mercado (como o conhecemos hoje, não, não sonhem com outro mercado), Sociedade Civil (virada para a prestação de serviços, permitindo assim e também que a cidadania seja realizável com dignidade), empresas (sempre com contratos precários e sub-contratos a micro empresas saídas de associações de desempregados ou de trabalhadores precários ou de especialistas) e o Estado (levezinho, à Liedson, esforçado, mas eficaz e mais promotor e regulador do que interventor, mas não desresponsabilizado, um Estado que marque golos).
Gosto da proposta, sobretudo, durmo bem com a ideia da liberalização do conceito da Sociedade Civil.
Esse livro é obrigatório para todos aqueles que se preocupem com a temática, ou melhor, é obrigatório para toda gente que saiba ler.
Citações:

«A utopia neo-liberal é uma forma de analfabetismo democrático. O mercado, como tal, não é portador da sua própria justificação. Este sistema só é viável em alternância com a segurança material, os direitos assistenciais e a democracia: numa palavra, com o Estado democrático.»

«O presente necessita da antitese para esclarecer até onde pode chegar a sua pretensão de domínio, o mesmo é dizer, para esclarecer onde pode começar outra coisa.»

«O conceito de modernização reflexiva aponta a uma série de mudanças radicais fruto da aceleração e radicalização da modernização (...) Não há novas élites surgidas de baixo, nem novas utopias sociais, nem frentes claras de conflitos; ao contrário.»

«Modernização reflexiva significa passar da 1ª modernidade, encerrada nos limites do estado-nação, para uma 2ª modernidade (aberta e arriscada) de insegurança generalizada.»

«Empresas grandes e pequenas, empresários autónomos e multinacioanis..., se querem ser activos globalmente, têm que cumprir um requisito: desenvolver uma estratégia de localização. A globalização pressupõe localização, mas com uma conotação socio-espacial, no sentido de que o que antes tinha que estar ligado aum lugar concreto, pode expandir-se a nivel mundial e, não obstante, seguir sendo uma unidade cooperativa.»

«Enquanto as correntes de capital podem mover-se por todo o mundo, através de meios electronicos, atravessando fronteiras a velocidade da luz, a mobilidade dos trabalhadores está fortemente limitada pela sua vinculação a família, ao lugar, as instituições, ao direito, a cultura, a política, aos movimentos proteccionistas e também pelo ódio ao estrangeiro.»

«A vinculação territorial do trabalho põe a população trabalhadora em desvantagem na repartição dos riscos globais da globalização.»
In, Un nuevo mundo feliz, Ulrich Beck, Editorial Paidós
Abílio Neto

quinta-feira, setembro 28, 2006

A vida - O must feminino do verão passado






Agora que já estamos no Outono e tudo está melhor, menos sol, luz mais intensa, dias mais curtos, mas noites mais longas e vem aí o frio, para cobrir-nos e bem de roupas, devia ser obrigatório ter saudades da camisolas de gola alta, com atraso, resolvo recordar-me do que deveria ter sido o melhor do verão que já passou, mas não foi.

Do Verão, por norma, deliro com os vestidos. Deliro com mulheres que usam vestidos. E nesse particular, em Portugal, Nuno Baltazar com a sua colecção Primavera / Verão de 2006, não deu hipoteses, ganhou de cabazada.

Nuno Baltazar inspirou-se nos vestidos de cocktail dos anos 70 para conceber essa colecção, que para mim a sua melhor. Fez assim uma viagem ao universo feminino das últimas três décadas do colonialismo português em África. O resultado foi um puro deleite de memória visual.
O mais espantoso é que me fez lembrar algumas fotos da minha mãe e das minhas tias sentadas nos bancos dos jardins de São Tomé, a cidade, quando havia jardins, com os seus simples, mas magníficos vestidos de chita.
O mais chato é que vi poucas mulheres com vestidos nas ruas de Lisboa. Significativo, não.
Abílio Neto

terça-feira, setembro 19, 2006

O teatro - Os Negros, de Jean Genet





Os Negros, de Jean Genet, encenado por Rogério de Carvalho, abre a temporada no Teatro Nacional São João no Porto. Era o suficiente. Não tinha que escrever mais nada.

Mas Os Negros, de Jean Genet que abre a temporada no Porto tem um elenco exclusivamente negro e africano e tem o Ângelo Torres.

Sobre a peça, lembro de a ter lido há imenso tempo, não me recordo de muito, recordo-me da violência das palavras e do extremo dos ambientes, mais não posso dizer.

Contudo, mais recentemente, em 2004, lembro-me perfeitamente de ter lido referências a obra e a Jean Genet no Cultura y Imperialismo, do Edward Said.

Muito no seu estilo culturalista, Said que tinha uma enorme admiração pela obra de Genet, às tantas, na obra acima mencionada escreve isto:

« Uma vez que se aceita a autêntica existência de uma configuração de experiências literárias interdependentes e sobrepostas umas com as outras, apesar de fronteiras e autonomias nacionais ligadas pela força, a história e a geografia ficam transfiguradas em novos mapas; em novas entidades muito menos estáveis: em novos tipos de conexão. O exílio, longe de constituir o destino de despojados, expatriados e quase esquecidos, se converte em algo mais próximo a um hábito, uma experiência, na qual, por muito que se reconheça e se sofra a perdida, se atravessam barreiras e se exploram novos territórios, superando assim as fronteiras canónicas clássicas. Os novos modelos e tipos recém modificados empurram os antigos e tratam de tirá-los do seu lugar e ocupa-los eles. O leitor e o criador de literatura – que perde as suas formas até então fixas e absorve as observações, revisões e anotações da experiência pós-colonial, incluindo a vida clandestina, os relatos dos escravos, a literatura das mulheres e os testemunhos das prisões -, já não necessitam de seguir atados a imagem do poeta ou do erudito como personagens isolados, seguros, estáveis e em posse de um carácter nacional em virtude da identidade, classe, género, ou profissão. Agora podem pensar e experimentar, com Jean Genet na Palestina, com Tayeb Salih como negro em Londres, com Jamaica Kincaid no mundo branco, com Rushdie na Índia e Grã-bretanha, etc.

Devem expandir-se os horizontes contra os quais se baseiam e respondem as interrogações sobre como e que ler e escrever. »

Todavia, o interesse do Edward Said por Jean Genet e a sua obra, existiu em profundidade e foi mais longe nos seguintes livros:

Jean Genet et la Palestine
Por Félix Guattari, Alain Milianti, Edward Said, Juan Goytisolo

On Late Style: Music and Literature Against the Grain
Por Edward Said


Sobre este ultimo, terá havido mesmo acesa polémica, em círculos intelectuais americanos e israelitas, relativamente ao facto de Said declarar-se admirador de um autor, Genet, confesso simpatizante do lado mais sombrio da causa palestina, o terrorismo.

O mais provável será não ver a peça, tendo em consideração não estar prevista a sua saída do Teatro Nacional de São João. Lamentável.

De qualquer modo, uma abraço ao Ângelo, que tudo corra pelo melhor.


sexta-feira, setembro 01, 2006

O jornal - O Independente





Assumo. Marcou-me. Juntamente com a The Face, que também já morreu, o Independente, em finais dos 80 e início dos 90, influenciou-me e influenciou a forma como resolvi ver o mundo, mais pelo Miguel Esteves Cardoso, com o seu sarcasmo elegante e com o seu profundo conhecimento da cultura pop, do que pelo resto, que não me atraia tanto.

Desde a publicidade, irreverente, passando pelos suplementos, indy, e terminado nos colunistas, independentes.
Até a criação do Bairro Alto, porque foi o Independente a criar o BA que eu frequentava. O Targus, do Hernâni Miguel, o melhor bar de Lisboa, de sempre, não existiria sem o Independente, curiosamente, a suave morte,a agonia, dos dois foi sendo em simultâneo.

O Independente morreu mal, nasceu bem, como tudo o que é bom na vida.


Abílio Neto

quarta-feira, maio 31, 2006

A política - As Legislativas de 26.Março.2006, os vencedores (II)





(continuação)
Agora, a análise factual, repito, simples análise.

1 - A ADI, segundo se sabe, exigiu, para começar a negociar uma eventual entrada no governo – para tornar possível a constituição de uma maioria absoluta - , que o 1º ministro fosse indicado por si e que não houvesse qualquer acordo quanto a pré-designação de uma candidatura presidencial única, escandaloso e arrogante, exclamou-se em STeP e na diáspora (detesto a palavra, adoro o conceito); bem proposto, penso eu. Desse modo, a sua direcção deixou claro que não tinha, nem tem, qualquer interesse em arriscar uma ida para um governo já, apostando tudo em ganhar, o que houver para ganhar, depois.

Na minha perspectiva, em política, a paciência pode ser, definitivamente, uma boa conselheira, o que não sei é se a estratégia da ADI resulta de uma análise racional da realidade política actual, ou se se trata de mero amuo entre personalidades, com sede de se posicionar, para um acerto de contas à curto prazo.

De qualquer forma, seja qual for a motivação do Patrice Trovoada, não vejo que o seu objectivo possa vir a ser realizável com sucesso se a muito curto prazo não souber recuperar alguns activos humanos perdidos estupidamente pelo seu partido e se não souber actuar com vigor e sedução em relação aos muitos anticorpos que foi criando na sociedade santomense. A ADI não crescerá no futuro se continuar a ser uma força política de simpatias e laços, se não souber redimensionar a sua base de apoio e se não souber ser um partido aberto e com ideias, é que em política está tudo inventado, mesmo em STeP.

Mais agora, quando, pelas circunstâncias, a realidade política santomense parece querer propor uma bipolarização. Por pragmatismo, deverá caber à ADI contra-propor uma tripolarização, se quiser crescer, não tem outra opção.

Se se está na oposição, e não se tem uma profunda base popular, não é suficiente ter-se capacidade financeira – por regra, nunca se terá mais do que o partido no governo - para fazer um bom percurso até as seguintes eleições; é preciso estar todos os dias em campanha para passar a mensagem, é bom que ela exista; é preciso insistir no apontar de caminhos; é preciso fazer crer que se é alternativa; é preciso explicar como se faria se estivesse no governo e, finalmente, é preciso ter rostos (e não um rosto) que assumam a estratégia. E a ADI não tem nada disso, hoje, é um partido esvaziado e vazio. O que até pode ser uma vantagem, claro está, caso o seu líder seja capaz de encher o partido de conteúdo, e aí, talvez a estratégia de vir a ser um vencedor depois possa ter possibilidades, mas, honestamente, tenho sérias dúvidas que isso venha a acontecer, temo que Patrice Trovoada nunca entenderá que a aproximação aos activos humanos perdidos e a abordagem aos anticorpos criados não terá necessariamente que ser feita por ele, aliás, nunca poderá ser feita por ele, tem que ser feita por um mediador, um player, uma figura distante do actual meio político santomense, com capacidade negocial e de dialogo, com carisma e curriculum, com credibilidade interna e externa, alguém que signifique novidade e que consiga surpreender.

Patrice Trovoada, até agora, deu mostras de ser esperto muitas vezes - e espertalhão outras vezes - , chegou a hora de mostrar também inteligência, para isso, saberá ou deverá saber que o perfil de mediador que acabei de descrever, e de que o seu partido necessitará para crescer e ser um vencedor depois, existe de facto e não está assim tão longe e distante dele, do líder da ADI.

2 – O PCD governa e a tendência é para governar mais. É obrigatório não esquecer que estamos perante um partido que, há muito pouco tempo, estava condenado a desaparecer. Sem muitos históricos, eu os consideraria histriónicos; sem futuro, eu diria sem um duro; sem nada, eu, vernaculamente, diria que quando governaram só fizeram «cagada», aí está. Enfim, passou de ser um partido simpático e com uma muita boa base de apoio, a ser um partido desconsiderado e mal visto, uma espécie de Michael Jackson da política santomense.

No entanto, aí está, no governo e pleno de influência. Como é que isso foi possível? Muito fácil de perceber: são eles que estão a propor a bipolarização ou a tripolarização à realidade política santomense. Não sei se resulta de uma estratégia ou se resulta do instinto de sobrevivência, mas, de facto, o PCD, não sendo um partido personalista, como são todos os outros partidos santomenses, consegue mover-se melhor entre interesses, sem que a sua posição se torne obviamente incomoda, pois, não está vinculado a um centro, mas à uma miríade de centros, que podem flutuar e que o equilibram, livrando as suas diversas figuras de desgastes pessoais centrifugadores.

E é nessa sua característica, de único partido verdadeiramente centrista (centro social e não ideológico, porque este não existe em STeP) santomense, que se tem «agarrado» para liderar o que me parece fundamental na política do país: politizar a política, marcar a agenda, tornando o debate sério, resumindo, polarizar. É fundamental polarizar para tornar as propostas políticas distintas e diferenciáveis, permitindo, assim e finalmente, que se faça política em STeP sem a habitual cortina de ruído que só serve para ocultar a falta de ideias, de pensamento, de competência e de elegância.

Há tempos, quando foi anunciada a coligação do PCD com o MDFM intui que a conjuntura política de STeP mudaria substancialmente, e não me enganei. Na altura, viu-se com maus olhos essa aproximação, que, para muitos, foi entendida, e continua a ser mal entendida, como mera caça ao dinheiro para sobreviver de uma parte do PCD. Agora, já se sabe que é mais do que isso, foi uma estratégia de poder.

Na minha visão minimalista da política, achei bem que os dois partidos se unissem, é sempre um partido menos, e vou antecipando, o que ainda não aconteceu, mas que vai acontecer, à muito curto prazo, a fusão dos dois, talvez sob a sigla Convergência para Mudança Democrática. E não tenho grandes dúvidas que o principal promotor dessa iniciativa será o PCD. Não é um mero wishful thinking, parece-me mais uma inevitabilidade, porque o eleitorado já não os distingue, porque os interesses já se confundem e porque, enquanto governo, quererão manter-se no poder, logo, a aproximação, dependendo da performance na governação (apesar de ser um governo fraco e bastante previsível, mesmo assim só poderá fazer melhor do que os anteriores, por impossível), converter-se-á forçosamente numa união. Veremos, em definitivo, se realmente existe pensamento estratégico no PCD, se houver, forçarão a união e fusão. Antes, porém, vão ter de pensar em fazer algumas coisas, fundamentalmente, em arrumar a casa para crescer e ser hegemónico no futuro partido.

O PCD tem a vantagem de ter deixado fora do governo muita da sua gente válida, pelo que, estes deverão fazer o «trabalho limpo» no partido, que consistirá, em criar, imediatamente, um think tank, constituído pelos seus quadros e independentes, para dar consistência técnica e ideológica as propostas e para reforçar e rejuvenescer a sua base de apoio e a base de apoio do governo. De momento, só tem que fazer isso, nada mais, se quiserem ser vencedores depois. A ver se são capazes.

Abílio Neto



terça-feira, maio 30, 2006

O filme - Infiltrados, Spike Lee








Spike Lee não tem nada a provar. Nunca teve.

Sobre os filmes dele, já li e ouvi dizer que eram filmados com truculência, que estava preso a um olhar único, que era óbvio na abordagem, que o argumento ia condicionado, que não era capaz de fazer um grande filme e patati patata. No Inside Man não vi truculência, vi subtileza, vi minimalismo, vi cinema do melhor, por isso, ignoro o resto e o patati patata, e afirmo directamente: desde o seu primeiro filme que Spike vem fazendo grandes filmes, e este é mais um, só pode pensar o contrário quem não gosta de cinema com autoria ou um crítico de cinema europeu.

Este filme só vem provar que o Spike Lee, ou melhor, a sua Directora de Casting, no She Hate Me, Kim Taylor Coleman, cometeu um tremendo erro ao entregar o papel principal ao Anthony Mackie, não que ele seja mau actor, simplesmente não servia, o Chiwetel Ejiofor é bem melhor, porque sim, e porque consegue boas mudanças de ritmo, tem química e é credível em tudo o que faz, e isso nota-se aqui no Inside Man.

Contar com Chiwetel é poder abusar das subtilezas e vantagens da escola inglesa de interpretação. A Directora de Casting, que é mesma, redimiu-se, e fez bem. O melhor do filme passa pelo constante diálogo interpretativo entre as personagens do Denzel e do Chiwetel e pela excelência dos secundários.

E é aqui, na direcção de actores, sobretudo, dos secundários, que Spike Lee tem mostrado toda a mestria do seu cinema, e se assume como autor, tão autor quanto Woody Allen é um autor. Ir ao cinema para ver os seus filmes, e gostar, está destinado aos que se divertem com interpretações dos secundários, o mesmo acontece com o cinema de Woody Allen, que também não é simpático a muitos, precisamente, pela importância atribuída aos secundários, o que tem o bom efeito de disseminar a narrativa em diversos centros, obrigando a toda a atenção do público. Mais quando, os secundários têm matéria, argumento bem escrito, contido e minimalista, para trabalhar a fundo a interpretação.

A Jodie Foster não precisou de fazer «cara feia». O Clive Owen não precisou de ser mau. O Christopher Plummer deixa dúvidas enquanto diz palavras. Nada é certo, incluindo o final. É tudo assim, pouco claro. Como é evidente, nem toda a gente está disposta a ir ao cinema para isto, para o imprevisível. Aceitável, mas contestável.

O pormenor da música inicial (da abertura) tem criado alguma polémica, nomeadamente, sobre o seu propósito. Eu cá tenho a minha ideia sobre o assunto. Salta a vista, nas primeiras cenas do filme, a profusão de utilizadores de i pods pelas ruas de NY. Toda a gente tem auscultadores brancos nas orelhas. Ora, a cultura das podcast - a qual não aderi, porque gosto de ouvir música em casa, à antiga, em stereo hi-fi - , baseia-se em coleccionar música como quem colecciona informação ou selos, ou seja, os i poder armazenam canções para as transportarem. E o que o Spike quis desmontar é essa ideia de coleccionismo musical, sem sitio nem conexão possível, valoriza-se mais o que for mais distante, quanto mais estranho melhor. E aquela música, só pode fazer sentido nessa perspectiva. Eu teria escolhido qualquer coisa do Japão, talvez do Nobuzaku Takemura, alguma electrónica planante, atmosférica, jazz e world music, à mistura. Se fosse eu!

Mas que grande filme, de qualquer forma.
Abílio Neto

A revista - blue Wine




Saiu em Abril uma nova revista de vinhos e gourmetismo em Portugal, esqueci-me de dar o destaque devido e merecido: blue Wine.

Aconselho a todos aqueles que se queiram iniciar nestas coisas. Grafismo extraordinário, artigos com muito interesse e uma abordagem urbana, pop e acessível da temática, sem deixarem de ser técnicos. Nada da habitual abordagem «secante» e balofa. Excelente revista.

O quadro de colaboradores é extraordinário. Jancis Robinson, uma das mais conceituadas críticas de vinho, a guru dos vinhos portugueses no estrangeiro. Richard Mayson, a «enciclopédia» viva do vinho, outro guru dos vinhos portugueses no estrangeiro. Luis Gutierrez, a mais moderna e relevante «personagem» espanhola, um espanhol iberista e internacional, do El Mundo Vino.

E finalmente, Rui Falcão. Faço-lhe o destaque porque, para mim, é o melhor crítico de vinhos português. É-o, porque não se limita a interessar-se pelos vinhos portugueses, é um verdadeiro cosmopolita dos vinhos, está à vontade com vinhos austríacos, alemães, italianos, franceses, espanhóis, chilenos, argentinos, australianos e de outros países, mas mais do que à vontade, conhece-os e divulga-os sem complexos (zero «do que é nacional é bom»). É-o, porque na sua postura crítica dá destaque a vinhos, castas e regiões, normamelmente, esquecidos e menosprezados em Portugal, como os colheitas tardias e os moscáteis, a siria, a baga e a godelho, as Beiras e Madeira. É-o, porque utiliza uma outra linguagem, digamos, alternativa a normal linguagem da crítica de vinhos, nota-se que também lê romances. Leio o Guia Os 5 Às 8. Eu gosto do estilo do Rui Falcão e não o escondo. E tenho o privilégio de o conhecer.

Aguardo com ansiedade o próximo nº da blue Wine.


Abílio Neto

sexta-feira, maio 26, 2006

A política - As Legislativas de 26.Março.2006, os vencedores (I)





Em política, há vencedores e vencidos, e depois, há dois tipos de vencedores: os que vencem já e os que vencem depois. No caso santomense, até às últimas eleições legislativas, foi sempre muito difícil distinguir estes dois tipos de vencedores, por 3 razões muito simples.

A 1ª razão, tem que ver com a falta de distinção ideológica dos partidos políticos, pelo que, até estas eleições, seja qual tivesse ganho, não foi relevante, em termos da apreciação de uma razoável gestão de utilização qualitativa do poder, porque, objectivamente, não tem havido grandes alterações na forma como os sucessivos vencedores têm vindo a gerir as estadas na governação, quando legítima e imediatamente a assumem.

(Quase como se o país só tivesse 1 único grande partido, representando os actos eleitorais uma espécie de Congresso Nacional do mesmo e as diversas siglas uma espécie de nomes de tendências internas).

A 2ª delas, que é uma continuação da anterior, tem que ver com o facto de os líderes políticos recusarem assumir responsabilidades pelos resultados, como sendo seus, ou seja, como a avaliação das suas estratégias e das suas acções, logo, poder deduzir-se não ter vindo a estar realmente em causa, nas sucessivas eleições, diferenças no pensamento, nas propostas e nas práticas, mas sim distintos caracteres que representam e significam o mesmo, o que não os distingue e o que não se distingue.

(E a coisa piora quando se chega ao poder, se no a priori, não se é capaz de responsabilizar-se, percebe-se que durante o seu exercício, o a posteriori, a postura mantém-se, e percebe-se melhor se a governação é exercida pelo mesmo bloco de pessoas, que pensam semelhante e agem igual, o que justifica a alternância da mediocridade dos sucessivos governos).

Finalmente, a 3ª razão. Tem tudo que ver com o carácter fragmentário das diversas elites santomenses, que não sabendo criar força social por si, preferem diluir-se indistintamente, num único bloco, que passa a ser a fonte única do poder, não sobrando nada a volta que possa pressionar, que possa condicionar e que possa alterar a situação. E isso nota-se quando se fala com um santomense médio, no seu discurso, a palavra elite nunca é plural, é sempre singular, não lhe passa pela cabeça que devem existir várias elites, no sentido horizontal e vertical de posicionamento. E isso também se nota quando já não é possível a um santomense médio diferenciar com segurança as elites políticas das empresariais, p/ ex., e assim acontece porque a lógica é mesmo a de acantonar a liderança social num único bloco político.

Deste modo, resumidas as razões, superficialmente, pode parecer que depois destas últimas eleições tudo terá ficado na mesma, pois, mas não ficou, engana-se quem insista em fazer uma leitura simples, sem tentar entender que havendo um vencedor já, como se sabe, a Coligação MDFM-PCD, algo faz-me pensar que haverá vencedores depois, como se devia saber, a ADI, e, como não se devia saber, o PCD.

Antes, vejamos em abstracto.

O raciocínio e as distinções.
O vencedor já é o partido que ganha efectivamente as eleições e obriga-se a governar. O vencedor depois é o partido que, não tendo ganho, longe disso, pode chegar ao poder, pré-negociando (coligação) ou negociando, caso lhe convenha, ou pode optar por não ir para o governo, mantendo-se na oposição, convenientemente, sem pressões, à espera de qualquer coisa. O 1º cresce o que tinha que crescer, enquanto que o 2º mantém o seu potencial de crescimento intacto.

A grande diferença entre um vencedor já e um vencedor depois é que o tempo político joga sempre a favor deste.

A realidade e as circunstancias.
Normalmente, isto acontece em ambientes políticos muito fragmentados e instáveis, que dificilmente são propensos a maiorias de um só partido, nos quais tudo se processa sem surpresas, as eleições nunca esclarecem, o acesso ao poder reparte-se por interesses que se fazem representar. Normalmente, de acordo com os resultados das eleições, entre o vencedor já e o vencedor depois existe sempre um outro partido, o «derrotado», que não conta para o futuro imediato, porque saiu do governo e porque não entende que tem que mudar (se quiser ter opções) e que costuma ser um grande partido, que domina e contamina o estado, estando ou não no poder.
(continua)
Abílio Neto

terça-feira, maio 23, 2006

A arte - Frida Kahlo, no CCB





Saí de casa, num sábado à tarde, para ir ver a exposição da Frida Kahlo no Centro Cultural de Belém, uma semana antes de a itinerante mudar de cidade e de país, assim, como todos que, de uma forma ou de outra, têm uma paixão pelas coisas da cultura e da arte, tinha que ir ver o acontecimento. E fui.

Comecei por estranhar a quantidade de carros estacionados nas imediações do CCB, não havia lugares e já havia polícias a multar, em sítios onde habitualmente não multam.

Vista a confusão, decidimos estacionar no parking do CCB. Deixei de estranhar. O parking, que é dos mais baratos de Lisboa, estava vazio, o que só podia querer dizer uma de três coisas: ou, os donos dos carros lá fora não conheciam o estacionamento, ou os donos dos carros eram lumpenes, ou as duas coisas juntas. Lá dentro, percebi que era «as duas coisas juntas».

A Frida Kahlo mais do que uma pintora é uma iconografia, ela é cinema, ela são ensaios sobre identidade, género, sexualidade, esquerdismo, estética, ela é música de Lila Downs e de Lhasa (que eu prefiro) e ela é também arte, como tal, era de esperar uma romaria ao altar da mexicana montado na sala de exposições do CCB, exactamente, no mesmo dia, que outros iam de romaria para Fátima. A diferença…?

Sem mais rodeios, eu não consegui ver a exposição, e duvido que alguém tenha conseguido, porque não me deixaram! Esclareço. 1º, a enchente era tão grande que não era possível estabelecer um ritmo certo de visualização das obras (como acontece nas grandes exposições nos outros países da Europa); 2º, o público era tão «entendido» e «habituado» às exposições que não conseguia seguir as indicações da ordem de visionamento (como acontece nas grandes exposições nos outros países da Europa); 3º, as pessoas não sabiam se comportar, estar ali ou estar nos saldos na Zara do Colombo dava igual, vi pessoas a colocarem os dedos no acrílico que protegia as obras, vi pessoas a lerem os textos de suporte de costas para os quadros, não permitindo a sua visualização, vi de tudo (como não acontece nas grandes exposições nos outros países da Europa); a organização era péssima, desde textos de apoio com excesso de texto e com grafismo minúsculo sob fundo colorido, até não haver barreiras de distância entre as obras e o público.

A exposição que tinha interesse, com obras do Museu Dolores Olmedo, apesar de muito centrada na vida de Frida, fotos, vestuário etc., como já se sabia, passou-me ao lado, porque, repito, não era possível vê-la com tranquilidade.

Parei 2 minutos, tudo o que consegui, para ver com atenção «A Coluna Partida».


Abílio Neto

terça-feira, maio 16, 2006

A vida - Um jantar em casa em honra a Primavera







Em finais de Março, em casa, a minha mulher, a Angela, resolveu, e bem, fazer um arroz de carqueja, um vulgar arbusto usado com mestria na gastronomia beirã como planta aromática. Como era uma experiência nova e ansiada e, ainda por cima, repentina, achamos por bem partilhar a tentativa com mais pessoas, melhor, achamos interessante arranjar «cobaias» para partilhar a tentativa. Na verdade, quando se vai tentar um prato pela primeira vez, deve-se ter convidados em casa, porque se a coisa sai mal, joga-se com o constrangimento, nunca vai tudo para o lixo, uma questão de… economia!

Assim, convidamos os nossos vizinhos Cláudia e Pedro e a Rosa e o Rui, dois casais amigos, porque para convites, fica sempre bem pôr as mulheres em primeiro lugar.

Vamos lá ao arroz de carqueja. E ao jantar.

O arroz para estar óptimo teve um único problema: a cozedura, passou-se um pouco, por minha culpa; fui o responsável pelas compras finais e levei para casa um carolino, quando a Angela me havia pedido um bom agulha (estranho, porque os espanhóis praticamente só utilizam o carolino), que comporta, pede, uma cocção longa e tranquila, mais o facto de se ter distraído a terminar as entradas, as tapas.

De resto, espantou-me o aroma da carqueja, dá um perfume tremendo, aliás, sem exageros, perfumou toda a zona social da casa, não fazia ideia que tal pudesse acontecer. E o sabor é excepcional, muito fresco e marcante, faz lembrar a leveza da hortelã, mas com toque de palha seca, feno ou algo parecido, muito bom. Até me fez lembrar o micócó. Vamos repetir brevemente, sem dúvidas.

Percebi agora a proliferação do arroz de carqueja nas cartas de quase todos os restaurantes tradicionais das Beiras, sobretudo no interior. A carqueja parece ter muito potencial, só não percebo a sua utilização culinária limitar-se ao arroz.

Para acompanhar o dito, optamos por um tinto ribatejano, o Cadaval Pinot Noir 1998, e outro tinto espanhol, da Ribera del Duero, o Más de Leda 2003. Qualquer um deles, muito bom, apesar da diferença de estilos; o Pinot, da Casa Cadaval, mais elegante e exigente; e o Tempranillo, da Más de Leda, mais de ataque e directo.

Outro pormenor, estive na dúvida com o vinho para as entradas, quase tudo a base de marisco, fumeiros, patés e foie-gras, mas também com uns espargos com iogurte, regados com azeite xtra virgem aromatizado de lima, optei por um Valle Pradinhos Branco 2005, que gosto muito, nunca desilude, sobretudo, se bebido a temperatura adequada, por volta dos 10º, para realçar a complexidade dos aromas. Não consegui ter a certeza de ser a melhor a escolha para o conjunto das entradas, se calhar devia ter arranjado um outro branco, não sei, talvez um mais seco, um Xerez Fino ou um Dão Encruzado, porque isso de combinar vinhos com lácteos, no caso, iogurte, não é fácil.

Posso dizer que terminamos com um Dow's Vintage 2003 e um Duquesa PX, para celebrar. E aqui tenho que parar um pouco para realçar a excelência deste Porto, oferecido pelo Rui, por isso, desde já, o meu profundo agradecimento, porque a experiência báquica foi de sonho.

Os Vintage só são possíveis em anos muito bons, os Porto Vintage 2003 são vinhos excepcionais, ou melhor, o ano de 2003 foi um ano fantástico no Douro. Este Dow’s é simplesmente considerado pela crítica internacional e portuguesa como um dos melhores, p/ ex., 19,5 pontos na Revista de Vinhos, 18,5 na blue Wine e 96,5+ Roy Hersh (um dos grandes especialistas mundiais em vinhos do Porto). E fez jus aos pergaminhos que trazia. Divinal e indescritível. Não é melhor do que os meus Vintage 2003 preferidos, o Fonsecas Guimaraes e o Poças Director’s Choice, mas está ao nível dos melhores, sem dúvidas.

Num clima de descontracção, boa onda e óptima conversa, fomos degustando, a verdade é que o jantar foi muito bom.

Abílio Neto

sexta-feira, maio 12, 2006

A música - No Sign of Bad, Djosos Krost





Não tenho grande simpatia nem pela estética, nem pela ideologia rasta. Aliás, não gosto de rastas, é um complexo meu, muito antigo, vem dos tempos em que pensava melhor com a libido, que não é um órgão, do que com a cabeça sem tranças, mas bem limpa, pelo menos, de aspecto.

Naqueles tempos, não havia miúda que não gostasse de dreadlocks, «apetece fazer festinhas!», diziam quase sempre, «e que tal fazer festinhas num esfregão da Bravo!». Os rasta eram a maior concorrência, daí eu não gostar deles. Fartei-me de ouvir: «porque é que tu não fases aquilo… também?» Mas como é que eu podia fazer «aquilo», se nunca gostei de ter cabelo sequer, bem, excepto naquele período Cameo, Larry Blackmon, cujas fotografias estão todas oportunamente desaparecidas. Foram outros tempos.

Em homenagem ao 25º aniversário da morte de Bob Marley, 11.05.1981, resolvo escrever sobre o último álbum reggae, fundamentalmente reggae, mas muito dub, que comprei e tenho estado a ouvir com imenso gosto. As últimas coisas que comprei foram do Gregory Isaac, ainda em vinil, e não se pode considerar bem reggae, porque falta-lhe a cultura rasta e aquelas tretas de pacifismo e de terceiro-mundismo, é mais love rockers, mais agradável, melódico (muito mesmo) e pertinente.

A banda é dinamarquesa, o que me fez pensar no Thomas Han, um amigo dinamarquês doido pelo rewind and selecta, que me deu a conhecer muito de toaster, roots reggae e dub e que me gravou a melhor cassete de toasting, uma sessão sua, que ainda tenho lá em casa. (E também «deixou-me», porque ficou comigo, o melhor álbum de Jorge Ben, que conservo). Obrigado Thomas, gostava de voltar a ver-te, nesses dias em que a Dinamarca não vai ao Mundial de Futebol e em que já ninguém diz que tem amigos dinamarqueses, pois, eu tenho e digo.

O que me agrada nos Djosos Krost é que usam bem toda a estética reggae (dub, incluído) e até vão ao extremo ideológico de serem rasta, especialmente, nas letras das canções, não caindo no habitual choradinho de ataques estéreis ao capitalismo, em nome da Babilónia e outros despropósitos. Apostam no bom gosto.

I give love, I take love,
I need peace, what will come to me,
I don’t wanna be part of this craziness, crazy world,
Call it off,
What we need is,
No more war, no more killings.

Call it off, No Sign of Bad, Djosos Krost

Nos dias que correm, ninguém acredita nisso, mas convenhamos, bolas!, é lindo. O refrão deixa-nos felizes, faz-nos rirb - sem fumos e charutos estranhos - , até nos convida a abrir uma garrafa de Rosé ou uma de Sirah. Tenho ouvido e re-ouvido, com muito gosto; tem-me feito sonhar acordado, o que já não fazia há algum tempo.


Abílio Neto

segunda-feira, maio 08, 2006

A politíca - As Legislativas de 26.Março.2006, a vergonha (IV)




Vergonha e desilusão.

É em momentos como estes que se revelam os homens, sobretudo, os patriotas, e estes não precisam de ser grandes, nem heróis, nem históricos, nem duros, nem corajosos, nem justiceiros, nem ter linhas, basta-lhes ser santomenses, santomenses normais.

Eu detesto o conceito romântico de patriotas, patriotas à antiga, porque normalmente, vai ligado a tipos dados a actos pretensamente heróicos, tipos disponíveis a agir por causas com prémios, mas sem peso, sem medição de risco, tipos mais do que tipos, gigantes, algo antigos, algo que julgo não ser capaz de ser, por desnecessário e suicida e desmedido e emocional, logo, não vejo utilidade disso noutros homens, nem sequer vejo que esse tipo de homens possam verdadeiramente fazer bem a um país, mais quando o (nenhum) país lhes pede tão grande voluntarismo, mais quando, tipos destes têm responsabilidades no país.

Talvez, daí já não conseguir, hoje, ver os filmes com o Errol Flinn, actor que personificava sempre essa espécie de herói, como são os patriotas à antiga, tipos com poder, que assaltam edifícios, não respeitam as leis, pisam as instituições, abusam da sua posição privilegiada, inventam situações estúpidas, porque não sabem inventar outras, e ainda nos pedem para acreditar que agem de boa fé, porque são patriotas ou algo parecido, quando nada, sobretudo o patriotismo, pode justificar o que eles fazem.

Depois de tudo, depois de desrespeitarem tudo, vão mais longe, acham que devem merecer a nossa simpatia, a simpatia das pessoas normais, que não nos revemos neles e nas suas aventuras, porque percebemos o que eles, no seu autismo, nunca percebem que nós percebemos: a causa do herói é a causa do poder. Tanto assim é, que no fim da história, invariavelmente, o herói fica com a mulher mais linda; covardemente, encosta-se ao poder, não o toma; e o Rei, habitualmente, dá-lhes mais poder ainda, como prémio, e tudo termina num aborrecido happy end. Não percebo, hoje, nunca perceberei os filmes do Errol Flinn, que sempre foram de e sobre o poder, o pior poder, o poder.

Por isso, prefiro pensar numa espécie de patriotismo contemporâneo, mais leve, mais versátil, mais diverso, partindo da pessoa, da cidadania, que exige, só, que cada homem goste do seu país, dentre outras coisas, e que olhe para ele de forma viva, compenetrada e objectiva, sem ter que se sacrificar definitivamente por ele, sem ter que ter como suporte dessa relação bandeiras, símbolos, línguas e outras mediações para gostar do sitio onde nasceu.

Eu gosto de São Tomé e Príncipe assim. Normalmente, sem manifestações grandiosas, nem actos heróicos, que o país não me pede. Não gosto de gritar que gosto das minhas ilhas. Não preciso de artifícios para assegurar que gosto. Não gosto do país que tenho visto e que me querem oferecer como sendo o meu, mas que não reconheço, porque não querem que eu e muitos outros que gostamos continuemos a reconhecer.

Eu sou um santomense, claro que sou, se essa mesma pergunta fosse feita aos protagonistas que criaram a situação vergonhosa em que o país esteve depois das eleições, não acredito que, hoje, fossem capazes de responder sem que as palavras não lhes saíssem dubitativas e nervosas, a não ser que já não respeitem o país, nem as suas gentes. De todas as formas, independentemente de darem esse mísero show A Grande Vergonha, eles serão mais patriotas do que eu, afinal são eles os que conseguem montar a tenda e dar o espectáculo, e não eu, que me escondo num voyeurismo intencionalmente neutro e embaraçado.

Hoje, não vale ser irónico, não vale ser cínico e muito menos vale ter raiva ou recordar toda a estupidez passada e presente, o momento pede-nos antes toda razão e razoabilidade para ajudar a ultrapassar o tremendo embaraço em que nos metemos, depois, depois sim, que venha toda a desilusão por termos todos - desta ou daquela maneira, por acção ou por omissão -, contribuído para isso, não é possível dizer que não, mesmo que não se saiba o que fazer, mesmo que nunca se tenha feito nada.

A responsabilidade é nossa, é de todos, assumamo-la, porque um ridículo dessa grandeza, do tamanho do Everest, feito num país de 120.000, só pode ser da responsabilidade de todos, nem que seja para termos todos a noção do que nos falta escalar na montanha da civilidade, por isso, mesmo não tendo nada que ver com os principais intervenientes do show A Grande Vergonha, desta vez, eu assumo, partilhando a pena, por não conseguirmos ser melhores.

Todavia, desde já, deixo claro que, da próxima vez, não assumirei por osmose, não assumirei a não ser que me faça artista, e se tal vier a acontecer, jamais aceitarei entrar em farsas com tão maus artistas, como são os actuais. Ainda bem que não se consegue piorar, porque pior é impossível


Abílio Neto

O filme - Capote, Bennett Miller






É por estas e por outras que eu gosto tanto da América e não gosto tanto dos EUA, a 1ª é uma deliciosa entropia, enquanto que a segunda propõe uma conspirativa anomia para vencer o melhor que tem, a 1ª.

A coisa começou complicada para escrever sobre um objecto de arte muito singelo: Capote. O filme. Vagamente inspirado no período da vida de Truman Capote em que ele escreve À Sangue Frio. Não li o livro, apesar de o ter lá em casa, na estante.

Acontece que, para mim, Truman Capote é o argumentista de Breakfast at Tiffany’s, a minha comédia romântica preferida, a melhor de todas, afirmo eu, que tenho um fraco por comédias românticas, por isso, sei do que estou a falar. Provavelmente, só por isso, já iria ver o filme. Seguramente, fui vê-lo por ter como protagonistas Catherine Keener e Philip Seymour Hoffman, dois actores que merecem toda a minha admiração, pelo seu criterioso u percurso, que passa muito pelo cinema independente ou alternativo, e pelo talento óbvio de cada um deles.

(Abro um parêntesis para explicar a minha «queda» pela Catherine Keener. Quem gosta de cinema tem a tendência em fixar as «grandes» ou as «mais belas» ou «as mais belas grandes» actrizes, eu também o faço, mas, paralelamente, resolvi criar a minha categoria de actrizes, «as-fantásticas-e-maravilhosas-que-nunca-serão-grandes-nem-belas-mas-são-sublimes», aí, incluo a Catherine Keener, junto a Debra Winger, a Angela Basset, a Julianne Moore, a Annabella Sciorra, a Linda Fiorentino, a Dianne Keaton. São actrizes que impressionam por nunca serem óbvias, sorriem, não riem, soluçam, não choram, soslaiam, não olham, dizem, não falam, seduzem, não apaixonam, são imperfeitas, não são bonecas, são lindas, sem ser belas, são admiráveis.)

Volto ao Capote. O filme.

O intrigante do filme é que ele é culturalmente negro, não no sentido do film noir, mas no sentido afro-americano de negro. Não, a minha análise não resulta de qualquer obsessão culturalista, mas somente de uma interpretação do que vi na obra, algo, que qualquer um pode ver, desde que não seja um crítico de cinema europeu, de hoje.

Explico-me.

Logo numa das 1ªs cenas, daquelas com impacto, em que o actor principal (faz-se ao Oscar) desbordando interpretação, dominado a cena com trejeitos e palavras, o argumentista (faz-se ao Oscar, também) concebendo uma reflexão inteligente sobre James Baldwin, as suas condições (gay e negro) e a sua obra e, finalmente, o realizador (faz-se ao Oscar, igualmente), filmando, majestosamente, uma festa numa cave, com travellings sobre Philip Seymour Hoffman e a sua audiência, subtilmente, direccionando a câmara para um negro que descia ou subia as escadas (já não me lembro bem), que poderia bem ser James Baldwin, pela parecença física. Delicioso.

E depois, continuamos com a centralidade narrativa da personagem de Catherine Keener, Harper Lee, assistente e amiga de Capote, escritora e autora do livro Não Matem a Cotovia / To Kill a Mockbird, que li e tenho lá em casa e que deu origem ao magnífico filme com o mesmo nome, com o qual Gregory Peck ganhou um Oscar, se não me engano, e que também tenho lá em casa em DVD.

(Abro outro parêntesis para dizer que Não Matem a Cotovia, o filme, é dos preferidos dos meus pais, lembro-me de os ouvir repetir, vezes sem conta, da sua admiração por essa obra.)

De facto, Capote, o filme sem a Harper Lee não é nada, perde toda a complexidade narrativa, sobretudo, ao insistir-se em acentuar o contraste entre a segurança dela como escritora e a insegurança do Truman Capote na construção da sua escrita e na sua dificuldade em distanciar-se da realidade da obra para, verdadeiramente, a tornar ficção, sendo que os dois partilhavam de algumas mesmas angústias. O melhor do filme, o único filme que vi.


Abílio Neto

O futebol - Adeus, Zidane






Numa entrevista a um jornal desportivo espanhol Zidane disse que o seu jogador preferido era o Enzo Francescoli. Percebe-se. Até nisso, tenho que lhe elogiar o bom gosto, porque partilho dele, aliás, depois de Madjer e de Francescoli, jogadores estéticos, elegantes e subtis, avessos a tratar a bola como um hamburger ou qualquer outra coisa vulgar, veio Zidade, que elevou tudo isso aos píncaros, deixando-nos, aos apreciadores de futebol-arte, a triste sensação que, a apartir de agora, a estética, a elegância e a subtileza, no futebol, deirão de existir. De agora em diante, estamos condenados a aplaudir os grifos do futebol.
Wordsworth: "Ainda que já nada nos possa devolver o tempo do explendor na relva e da glória nas flores, não devemos afligirmo-nos, porque a beleza subsiste na recordação".
Adeus Zidane, adeus Zizou, adeus Real Madrid dos Galáticos, que nunca foi um sonho, foi real, existiu.
Abílio Neto

sexta-feira, abril 07, 2006

O futebol - Jordão / Liedson






Na véspera de um decisivo Sporting – Porto, lembrei-me de aceitar o desafio de alguns amigos que, nos últimos tempos, têm-me sugerido fazer uma comparação entre dois jogadores de futebol: o Liedson Muniz e o Rui Jordão. O cabo dos trabalhos para qualquer sportinguista ou para qualquer amante de futebol. Liedson versus Jordão, algo, assim, como comparar o thrill da Sharon Stone ao da Anne Bancroft, não se faz, não é possível, até porque a Anna Maria Italiano não fez partes 2, não precisou de se repetir, para ser a Senhora que era.

Um dos meus amigos, numa perspectiva cultural e política, defende que ambos, sendo jogadores fabulosos, não são merecidos pelo Sporting e pelos seus adeptos, ou seja, o club e os seus adeptos não sabem (ou não conseguem) valorizar suficientemente a qualidade dos dois, e vai mais longe, sugere que assim é porque são negros e idiossincráticos, e o país, Portugal, continua a não ter disponibilidade para se divertir e valorizar, genericamente, personae, muito menos, e especificamente, personae futebolistas, as 2 coisas + negro, menos ainda. Ele é do Benfica.

O outro amigo, tem um outro ponto de vista, fundamentando-se estritamente nas qualidades futebolísticas, diz que, apesar de considerar o Liedson mais futebolista - defende, ataca, esforça-se, desgasta-se -, o Jordão era mais jogador, aliás, era o Jogador, redimensionava o jogo e levava-o ao extremo de o tornar sublime, contudo, os dois são decisivos e corajosos. Ele é do Sporting. Ele é jordaniano.

Bem, antes de escrever seja o que for sobre os dois, para que se compreenda, tenho que dizer que considero o Rui Manuel Trindade Jordão um dos 4 melhores futebolistas de sempre, juntamente com o Emílio Butragueño, o Jean Tigana e o Enzo Francescoli. Sobre estes não vou falar. Sobre o que os une, o que faz dos 4 os meus favoritos de sempre, sim, posso confessar que lhes admirei e admiro a classe, a coragem, a simplicidade de métodos, sendo artistas, e a capacidade, quase impensável num desportista, de serem discretos, distantes e frios, mesmo, na hora de decidir, dentro e fora de campo.

Ora, o Jordão era e é isso tudo e o Liedson não é nem será, mas, de facto, decide (que é o que espero que faça amanhã), não se esconde, mas falta-lhe a frieza, o distanciamento, sobretudo, falta-lhe o futuro, falta-lhe o amanhã, eu sei que ele não será um pintor, não será um estudioso distanciado do mundo do futebol, não fará parte de um governo, não será um gestor, não será falado para treinador da selecção do seu país e não haverá um culto a sua volta, seguramente. Liedson é leve, mas será celebrado, precisará sempre de o ser para não ser esquecido; o Jordão foi pesado, nunca será celebrado, nem nunca precisou de o ser, porque sabe que o culto ao seu futebol existe, e, como qualquer bom culto, é minoritário e exigente, pede bom gosto.

Eu sou daqueles que ainda vi na televisão as imagens de um célebre Sporting – Benfica de 28 de Março de 1982, em que precisávamos de ganhar em Alvalade para termos opções ao título, o que Jordão fez foi muito simples, resolveu com um hat-trick, ganhamos 3-1 e o Rui comemorou os golos como só ele sabia, corria sem sair do lugar, mas saia, e no final, explodia, levantando o punho para o céu, parecia que ia voar. Lindo.

Abílio Neto

quarta-feira, abril 05, 2006

A televisão – Lost / Perdidos






Enquanto Eduardo Prado Coelho e Vasco Pulido Valente, há dias, resolveram escrever nas suas colunas no Público sobre a série CSI, eu resolvo escrever aqui sobre Lost / Perdidos, outra série americana em transmissão na TV, que acho fabulosa, apesar de não ser insensível a Crime Scene Investigation.

Eu li os dois artigos com muita atenção, por não ser normal dois intelectuais escreverem nas suas colunas sobre séries de televisão e muito menos sobre a mesma série.

O EPC é um aficionado confesso de alguns fenómenos televisivos, inclusive, tem-se dado ao luxo de, descomplexada e descontraidamente, escrever maravilhas sobre algumas telenovelas da Globo, realçando e insistindo na qualidade narrativa de algumas, argumentando, ainda, que, tratando-se de fenómenos de massas, abordam temas com interesse, com a leveza obrigatória e compreensível, o que me faz imaginar as conversas que deve manter com os seus pares académicos sobre o assunto:

- Julgo identificar algo de pós-freudiano, irracional e até de... pós-estruturalista na relação dele com a Mónica, não achas? Pergunta EPC.

- Com certeza, tal e qual como Philip Roth vê a situação no seu A Mancha Humana!

- Não, refiro-me à Mónica da telenovela Mansões e Uma Casa na Favela...e não à Monica Levinski! Exclama EPC.

Por essas e por outras é que ele coloca a CSI Las Vegas em Los Angeles.

O VPV que está em grande forma - vale a pena ler as suas colunas de fim de semana -, para mim, actualmente, é só o opinion maker mais lúcido de Portugal, apesar de não ser conhecido por reflectir sobre conteúdos televisivos, resolveu fazê-lo e começou a sua coluna corrigindo, subtilmente, o lapso do EPC, colocando CSI Las Vegas em Las Vegas, por aí se nota que ele está diferente, noutros tempos, em que era mais virulento, teria escrito algo parecido com isto, sobre o engano:

- A única semelhança que existe entre Las Vegas e Los Angeles, para além de serem duas cidades da Califórnia, é as duas cidades terem nomes que começam com o plural de um artigo definido espanhol... Los!

De qualquer forma, os dois resolvem «pegar» na série para fazerem uma pequena reflexão sobre o estado actual da Justiça, num mundo cada vez mais complexo e diverso, em que poderosas redes de interesses (político-financeiro, sociais e criminosos) fazem perigar, com a sua capacidade de influir e pressionar, a aplicação do Direito, conforme o conhecemos e conforme nos foi dado a conhecer. Ora, para eles, a série é louvável porque, em ambientes de grande tensão económica e social, ambientes saturados (onde o crime é inevitável), como são os de Los Angeles, NY e Miami, resolve propor uma solução à quase impossibilidade de se fazer Justiça como «antigamente», que é a utilização da tecnologia ou seja uma Justiça Techno, que habilita e confere o grau de certeza e segurança que o Direito necessita para ser legítimo, obviando assim a crise de respostas. Ambos duvidam da solução, mas ambos louvam a proposta, face ao caos que a sociedade parece querer oferecer. A diferença é que EPC admite interessar-se pelo Justicialismo techno, conformando-se, enquanto VPV questiona subtilmente essa conformação ao recordar-nos que no decurso da história houve sempre essa procura de resoluções definitivas pelo lado Direito, portanto, nada de especial, nada que já não houvesse passado.

Como sei que nem um (porque correria o risco de colocar a série na Ilha do Sal), nem outro (porque está tão lúcido que a reporia logo a seguir no seu lugar, o mesmo que dizer, lugar nenhum), vão produzir uma reflexão sobre a série que mais gosto, o que posso dizer, atrevendo-me a enganar-me, é que Lost / Perdidos põe as mesmas questões, em ambiente diferente, uma ilha, ambiente sem saturação, fazendo-as parecer o que são: questões de sempre da humanidade. Faz melhor que CSI, enquanto proposta, porque não justifica as dificuldades da Justiça com os interesses, o caos da diversidade, a saturação social, mas sim com a dificuldade normal de se fazer Justiça quando existem homens que se têm que relacionar e adaptar-se ao meio e à outros homens. E isso acontece sempre que há mais de um homem.

Engana-se quem pensa que a questão / problema está somente na quantidade de homens, modestamente, não me parece, julgo que tudo anda e seguirá andando a volta da qualidade dos homens e do poder e da sua utilização.

Partindo de um ambiente 0, uma ilha deserta, sem os meios de uma sociedade moderna, logo, obrigados a criar a sua própria «sociedade», a sua ordem, os personagens de Lost, que nunca deixam de ser pessoas urbanas com hábitos e costumes urbanos, estão construídos para, em constância, nos sugerirem que o homem pós-moderno não precisa de um sitio, de um local para ser Homem e, mais, estão construídos para representar a diversidade da humanidade (não necessariamente em termos étnicos, mas também) e, por fim, estão construídos para questionar a ideia de que a origem – donde se vem -, conta, porque, aqui, na selva, o cosmopolitismo é tudo, ninguém pergunta a ninguém where are you from?, porque não há tempo para o fazer e nem sequer importa muito quando se está focado em sobreviver, essa pergunta, nesse contexto, seria uma pergunta luxuosa.


Abílio Neto

A música - Marvin Gaye, Abril e a Primavera




(2 de Abril de 1939 – 1 de Abril de 1984)

O mês de Abril será para mim o de Marvin Gaye. Uma espécie de homenagem ao início da Primavera.

(...)
Are things really gettin' better, like the newspaper said
What else is new my friend, besides what I read
Can't find no work, can't find no job my friend
Money is tighter than it's ever been
Say man, I just don't understand
What's going on across this land
Ah what's happening brother
(...)

What's hapenning brother, in What´s going on, Marvin Gaye/James Nyx

Abílio Neto

O chocolate - Neuhaus 75% São Tomé





No fim-de-semana, resolvi deliciar-me, na companhia da Angela, de uma barra de chocolate de São Tomé e Príncipe, dentre outros pequenos mimos gourmet, que postarei oportuna e convenientemente. .

Optamos por este da série Origines da Neuhaus, marca belga, adquirido na Loja Gourmet do El Corte Inglês.

A embalagem é esteticamente irrepreensível. O grafismo é discreto, destacam-se a marca, a proveniência do chocolate e a quantidade do mesmo, 75%. Tem a forma de envelope, fechada por um laço e a barra está envolvida em papel impermeável dourado, simbólico.

O chocolate é escuro, mais Alek Wek que Naomi, feito a base de cacau forastero, intenso aroma a especiarias e na boca de uma subtileza atroz, abaunilhado, nada de açúcar excessivo, nada de ranço, nada de predominância de leite, puro equilíbrio, dissolvendo-se suavemente, sem criar adstringências. Muito Bom.

A Angela diz que lhe faz lembrar o cheiro a cacau em torrefacção da estrada para São João dos Angolares, na zona da Colónia Açoriana, em São Tomé e Príncipe. Tem razão!


Abílio Neto

sexta-feira, março 31, 2006

A política - As Legislativas de 26.Março.2006, os 9622 (III)




Antes de conhecer os resultados definitivos e depois de ler e ouvir análises atrás de análises – como tudo, algumas muito boas e outras muito más -, sobre as eleições legislativas de São Tomé e Príncipe, posso dizer com segurança que existe uma certeza: os 9622 eleitores que participaram dos boicotes ganharam as eleições, porque com o seu acto conseguiram fazer toda a diferença.

Honestamente, no período pré-eleitoral, enquanto foram sendo anunciados os diversos boicotes, não fui capaz de ver para além das motivações que iam sendo anarquicamente anunciadas, não fui suficientemente perspicaz para tentar colocar-me na pele daqueles rostos angustiados que via na televisão, tão habituado estou de ver rostos angustiados nos noticiários, nem sequer tive a valentia para acreditar que aquela gente pedia que fosse levada a sério, estupidamente, não soube interpretar, deixei-me ir.

Normalmente, existe um preconceito relativamente aos boicotes anunciados nos períodos pré-eleitorais, normalmente, fica-se com a sensação que as populações optam oportunistamente por, nessa altura, pedirem o impossível, arriscando, muitas das vezes, a colocar-se fora do sistema, sistema sem aspas. Ora, jogando com essa sensação, normalmente, alguns políticos que necessitam de votos, fazem crer, que reivindicar, nessa altura, não é de pessoas sérias, sério seria fazê-lo antes ou calar-se para depois, esvaziando, deste modo, o conteúdo da mensagem de quem reivindica; outros políticos, que também necessitam de votos, fazem «melhor», dirigem-se a população reivindicadora e prometem-lhes resolver o problema mal cheguem ao poder, assim, julgam conseguir dar conteúdo as suas próprias mensagens, atendendo a voz de outros e suprindo a ausência total de ideias dos seus discursos. E o mais grave desse jogo é que os media, normalmente, amplificam a sensação, opondo a imagem simpática e próxima do político em campanha à imagem furiosa, desesperada, antipática e violenta de quem reivindica.

E eu fui nisso. E fui mal. Fui, porque tenho um preconceito assumido relativamente ao «povo», que, normalmente, considero uma massa amorfa e insípida, dentro da qual cada um de nós esconde toda a sua estupidez, logo, a soma directa de todas as estupidezes só pode ser igual a uma unidade pouco brilhante.

Hoje, admitindo que em alguns casos poderá mesmo ser assim, estou convicto que neste não, não no dos boicoteadores das eleições legislativas de 26 de Março de 2006 em São Tomé e Príncipe.

Os 9622 são 9622 santomenses conscientes e dignos que tiveram a coragem de dizer «não, basta!», são especiais porque poderiam optar por fazer como fizeram quase todos os outros, receber algum dinheiro ou algumas coisas, resolvendo alguns problemas instantâneos, e votar tranquilamente. Os 9622 santomenses que fizeram os boicotes, excepcionalmente, quiseram dizer-nos que estão mesmo interessados em ver os seus problemas comunitários resolvidos. Os 9622, simplesmente, deixaram em evidência que as suas reivindicações são reivindicações de todo o país. Os 9622 quiseram, silenciosamente, também, dizer aos políticos que gastar $ 50,00 (versão mínima) com cada um deles significa gastar $ 482.600,00 no total e que esse valor seria melhor empregue se oferecido, por exemplo, para financiar um fundo de complemento alimentar das escolas primárias do país, o que daria para 321.733 refeições, se cada refeição custasse em média $ 1,50 (segundo relatórios da FAO, valor médio de uma refeição equilibrada para uma criança) ou, em alternativa, gastar esse capital a resolver os seu problemas em tempo útil. Os 9622, subtilmente, quiseram dizer, ainda, que o problema que eles criaram é bem diferente do de Folha Fede, que foi entendido como um mero incidente de um processo, agora, não estamos a falar de um facto anómalo, estamos perante uma tendência social que deve ser levada muito à sério, sob o risco de nas próximas eleições termos o país todo em boicote.

Os 9622 santomenses não são estúpidos como nos quiseram fazer crer, os estúpidos são outros, em número bem menor que 9622, que não vão reflectir nas nuances e que vão tentar resolver o problema, intuo, com a criatividade que se lhes reconhece, oferecendo mais dinheiro hoje, no Sábado e no Domingo.

Passo a palavra aos políticos.
Abílio Neto

quinta-feira, março 30, 2006

A arte - Museu do Chiado, O Olhar Fauve



Museu do Chiado
O Olhar Fauve na Colecção do Musée des Beaux-Arts de Bordeaux
12 Janeiro – 19 Março.

Com obras de Auguste Chabaud, Jean Gabriel Domergue, Othon Friesz, Oskar Kokoschka, André Lhote, Albert Marquet, Henri Martin, Henri Matisse, Jean Puy, Pierre Auguste Renoir, Chaim Soutine, Félix Vallotton, Louis Valtat.

Com algum atraso, porque a Exposição, que era temporária, já saiu no dia 19 de Março do Museu do Chiado, julgo dever deixar aqui pormenores do que vi.

Antes de entrar na exposição itinerante, aconselho uma visita ao Museu do Chiado, pelo edifício, pela sua colecção (voltei a ver o quadro «Jazz» de Almada Negreiros, por isso já valeu a pena) e também pela própria zona circundante, que é o mais belo passeio da Lisboa Cosmopolita.

O bom das exposições itinerantes sobre os movimentos culturais é que temos a oportunidade de poder apreciar a amplitude e a profundidade deles, não se centrando somente nos grandes mestres e/ou nas grandes obras, que normalmente estão nas mãos de coleccionadores privados ou dos grandes museus das grandes capitais. Não estava a espera de ver grandes Matisses e grandes Renoirs, estava a espera de ser surpreendido por outros autores com as suas outras obras menos vistas, e consegui ser, nomeadamente, por Albert Marquet (Bordéus, 1875-1947) e a sua obra.

Impressionou-me, impressionismos à parte, a saturação de cores, grandes traços, a utilização constante de tons cinzas e azuis nas margens dos brancos e figuras, figuras em contexto, sem faces, com expressão, em contraste com a luz, e o quadro «Nu dit, nu fauve» (foto acima), que diz tudo.

Outro destaque, Chaim Soutine. Que obra, que personagem e que vida!

Ao movimento fauve pode-se lhe acusar de ser demasiado decorativo, não se lhe pode etiquetar de pouco diverso e pouco livre. Foi bom perceber isso. Apesar de os pré-modernistas, nem os próprios modernistas me entusiasmarem, eu sou da geração do choque.
Abílio Neto