sexta-feira, março 31, 2006

A política - As Legislativas de 26.Março.2006, os 9622 (III)




Antes de conhecer os resultados definitivos e depois de ler e ouvir análises atrás de análises – como tudo, algumas muito boas e outras muito más -, sobre as eleições legislativas de São Tomé e Príncipe, posso dizer com segurança que existe uma certeza: os 9622 eleitores que participaram dos boicotes ganharam as eleições, porque com o seu acto conseguiram fazer toda a diferença.

Honestamente, no período pré-eleitoral, enquanto foram sendo anunciados os diversos boicotes, não fui capaz de ver para além das motivações que iam sendo anarquicamente anunciadas, não fui suficientemente perspicaz para tentar colocar-me na pele daqueles rostos angustiados que via na televisão, tão habituado estou de ver rostos angustiados nos noticiários, nem sequer tive a valentia para acreditar que aquela gente pedia que fosse levada a sério, estupidamente, não soube interpretar, deixei-me ir.

Normalmente, existe um preconceito relativamente aos boicotes anunciados nos períodos pré-eleitorais, normalmente, fica-se com a sensação que as populações optam oportunistamente por, nessa altura, pedirem o impossível, arriscando, muitas das vezes, a colocar-se fora do sistema, sistema sem aspas. Ora, jogando com essa sensação, normalmente, alguns políticos que necessitam de votos, fazem crer, que reivindicar, nessa altura, não é de pessoas sérias, sério seria fazê-lo antes ou calar-se para depois, esvaziando, deste modo, o conteúdo da mensagem de quem reivindica; outros políticos, que também necessitam de votos, fazem «melhor», dirigem-se a população reivindicadora e prometem-lhes resolver o problema mal cheguem ao poder, assim, julgam conseguir dar conteúdo as suas próprias mensagens, atendendo a voz de outros e suprindo a ausência total de ideias dos seus discursos. E o mais grave desse jogo é que os media, normalmente, amplificam a sensação, opondo a imagem simpática e próxima do político em campanha à imagem furiosa, desesperada, antipática e violenta de quem reivindica.

E eu fui nisso. E fui mal. Fui, porque tenho um preconceito assumido relativamente ao «povo», que, normalmente, considero uma massa amorfa e insípida, dentro da qual cada um de nós esconde toda a sua estupidez, logo, a soma directa de todas as estupidezes só pode ser igual a uma unidade pouco brilhante.

Hoje, admitindo que em alguns casos poderá mesmo ser assim, estou convicto que neste não, não no dos boicoteadores das eleições legislativas de 26 de Março de 2006 em São Tomé e Príncipe.

Os 9622 são 9622 santomenses conscientes e dignos que tiveram a coragem de dizer «não, basta!», são especiais porque poderiam optar por fazer como fizeram quase todos os outros, receber algum dinheiro ou algumas coisas, resolvendo alguns problemas instantâneos, e votar tranquilamente. Os 9622 santomenses que fizeram os boicotes, excepcionalmente, quiseram dizer-nos que estão mesmo interessados em ver os seus problemas comunitários resolvidos. Os 9622, simplesmente, deixaram em evidência que as suas reivindicações são reivindicações de todo o país. Os 9622 quiseram, silenciosamente, também, dizer aos políticos que gastar $ 50,00 (versão mínima) com cada um deles significa gastar $ 482.600,00 no total e que esse valor seria melhor empregue se oferecido, por exemplo, para financiar um fundo de complemento alimentar das escolas primárias do país, o que daria para 321.733 refeições, se cada refeição custasse em média $ 1,50 (segundo relatórios da FAO, valor médio de uma refeição equilibrada para uma criança) ou, em alternativa, gastar esse capital a resolver os seu problemas em tempo útil. Os 9622, subtilmente, quiseram dizer, ainda, que o problema que eles criaram é bem diferente do de Folha Fede, que foi entendido como um mero incidente de um processo, agora, não estamos a falar de um facto anómalo, estamos perante uma tendência social que deve ser levada muito à sério, sob o risco de nas próximas eleições termos o país todo em boicote.

Os 9622 santomenses não são estúpidos como nos quiseram fazer crer, os estúpidos são outros, em número bem menor que 9622, que não vão reflectir nas nuances e que vão tentar resolver o problema, intuo, com a criatividade que se lhes reconhece, oferecendo mais dinheiro hoje, no Sábado e no Domingo.

Passo a palavra aos políticos.
Abílio Neto

quinta-feira, março 30, 2006

A arte - Museu do Chiado, O Olhar Fauve



Museu do Chiado
O Olhar Fauve na Colecção do Musée des Beaux-Arts de Bordeaux
12 Janeiro – 19 Março.

Com obras de Auguste Chabaud, Jean Gabriel Domergue, Othon Friesz, Oskar Kokoschka, André Lhote, Albert Marquet, Henri Martin, Henri Matisse, Jean Puy, Pierre Auguste Renoir, Chaim Soutine, Félix Vallotton, Louis Valtat.

Com algum atraso, porque a Exposição, que era temporária, já saiu no dia 19 de Março do Museu do Chiado, julgo dever deixar aqui pormenores do que vi.

Antes de entrar na exposição itinerante, aconselho uma visita ao Museu do Chiado, pelo edifício, pela sua colecção (voltei a ver o quadro «Jazz» de Almada Negreiros, por isso já valeu a pena) e também pela própria zona circundante, que é o mais belo passeio da Lisboa Cosmopolita.

O bom das exposições itinerantes sobre os movimentos culturais é que temos a oportunidade de poder apreciar a amplitude e a profundidade deles, não se centrando somente nos grandes mestres e/ou nas grandes obras, que normalmente estão nas mãos de coleccionadores privados ou dos grandes museus das grandes capitais. Não estava a espera de ver grandes Matisses e grandes Renoirs, estava a espera de ser surpreendido por outros autores com as suas outras obras menos vistas, e consegui ser, nomeadamente, por Albert Marquet (Bordéus, 1875-1947) e a sua obra.

Impressionou-me, impressionismos à parte, a saturação de cores, grandes traços, a utilização constante de tons cinzas e azuis nas margens dos brancos e figuras, figuras em contexto, sem faces, com expressão, em contraste com a luz, e o quadro «Nu dit, nu fauve» (foto acima), que diz tudo.

Outro destaque, Chaim Soutine. Que obra, que personagem e que vida!

Ao movimento fauve pode-se lhe acusar de ser demasiado decorativo, não se lhe pode etiquetar de pouco diverso e pouco livre. Foi bom perceber isso. Apesar de os pré-modernistas, nem os próprios modernistas me entusiasmarem, eu sou da geração do choque.
Abílio Neto

segunda-feira, março 20, 2006

O vinho - Clos Ste Hune Riesling FE Trimbach 1997




Nunca sei o que responder às pessoas que me perguntam: «o que tem o vinho de tão especial?» Eu até entendo o sentido da pergunta. É suposto o vinho «servir» para embriagar, isso mesmo, embebedar!, e é verdade que tem essa componente funcional, que, muitas vezes, para alguns, é bastante desagradável, pode viciar e destruir, mas que, outras vezes, para outros, é bastante agradável, pode desinibir e libertar e tal e coisa. Normalmente, fica-se por essa dimensão curta do vinho.

Pois bem, eu prefiro entender o mundo vínico como cultural e como formador de gosto, sem diminuir, com certeza, a componente hedonista, a que obrigatoriamente está associado, mas sobre a qual não me apetece reflectir. Fico-me pelas outras duas, a cultural e a da formação do gosto.

Gosto de pensar, como uma personagem do Sideways (aconselho visionamento em DVD, um dia voltarei ao filme) de Alexander Payne, Maya, interpretada elegantemente por Virginia Madsen, que «dentro da cada garrafa de vinho existe uma vida». Puro acerto, também penso que o que me atrai no mundo dos vinhos é o imponderável, o imprevisível e o, invariavelmente, incerto que significa abrir uma garrafa de vinho. Refiro-me a vinhos que podem surpreender, os bons, os melhores, porque bem feitos, o que não significa, necessariamente, os mais caros.

E mais digo, também me agrada o ritual que antecede a abertura da garrafa de vinho, senão vejamos os passos básicos: os cuidados a ter com a temperatura da botella e do ambiente; saber se o vinho deve ou não ser decantado (porque, do meu ponto de vista, todos devem ser sempre «areados», pelo menos 15 minutos antes de serem bebidos); tratar de ter bons instrumentos, um bom termómetro, um bom saca-rolhas e um bom anti-pigos, no mínimo; ter copos adequados ou adaptáveis para o vinho escolhido; e sobretudo, eleger bem o que comer para casar com o vinho seleccionado, ou vice-versa. O ritual é muito elegante e tem toques de finesse extrema, o que pode até parecer pedante, mas não é assim, é mesmo um conjunto de actos que devem ser cumpridos para se beber uma garrafa de vinho em condições razoáveis, potenciando todas as suas características.

Como é evidente, para que isto se optimize, não basta o procedimento, exige-se que haja algum conhecimento de vinhos, dos terroir, das regiões, das castas, da «construção», da evolução em barrica ou em garrafa, do perfil do produtor e do enólogo etc., o que dá trabalho, obriga a investigar e a informar-se, enfim, obriga a estudo e dedicação e, finalmente, obriga a muita prova disciplinada. No fundo, é preciso ter disponibilidade para isso.

Resumindo, nada do acima faz sentido quando não se sabe que um copo de vinho se pega pela haste e não pela copa, o que tem tudo que ver com saber estar e comportar-se, nada que se ensine em Universidades.

Isto, à propósito da minha última grande experiência com um vinho branco. (Estou a descobrir brancos). Um Riesling Alsaciano. Uma preciosidade. O Clos Ste Hune Riesling FE Trimbach 1997. Estou a falar de um branco de 1997, com quase 10 anos, que se mantém em plena forma, na cor, dourado brilhante com tons esverdeados, e na boca, minerais que, após oxigenação (convêm ir virando o vinho no copo para ele ir entrando em contacto com o oxigénio), vai se libertando a fruta. O mais impressionante é o nariz, que na prova como na cara, fica entre o olho e a boca, o aroma primário é «apetrolado», sim, um vinho que cheira à petróleo, mas que com a oxigenação vai ganhando outros aromas secundários, florais e terciários, frutas. Divinal, que experiência!

O vinho foi servido em acomodação com uma sopa rica de peixe num magnífico jantar na York House, nas Janelas Verdes em Lisboa, com a garantia do excelente serviço proporcionado pelo grande gourmet e excelso recebedor que é o José Tomáz de Mello Breyner.
PS: O rótulo da foto refere-se a garrafa de 1995, que é quase igual a de 1997. Não consegui postar a foto.


Abílio Neto

A política - Legislativas de 26.Março.2006 (II)




A insistência do meu amigo não santomense em agendar um outro almoço deixava claro o seu propósito de continuar a conversar sobre política do meu país. Fui adiando, porque não me sinto muito cómodo com o tema.

Espero que passe o frenesim eleitoral em São Tomé e Príncipe para voltarmos a comer juntos e falarmos dos nossos temas recorrentes: futebol, política portuguesa, filmes, cds etc. Todavia, como não sou de evitar temas, por muito incómodos que sejam, a meio da semana passada, lá arranjamos uma data que servisse os dois. E fomos almoçar, no restaurante de sempre, à hora de sempre.

Confirmou-se. Imediatamente após termos escolhido o que haveríamos de comer, uns carapauzinhos com arroz de tomate, e o que haveríamos de beber, um verde, um Alvarinho de gama média, o meu amigo sugeriu:

«Sobre a política no teu país, da outra vez, enunciaste os teus princípios para uma eventual intervenção, epá, entendi algumas coisas, todavia, gostaria que me dissesses qualquer coisa mais, pode ser?»

«Não queres falar sobre o teu Benfica primeiro?»

«Não.»

«OK, apesar de estar seguro que da nossa última conversa se poderia retirar todas as conclusões sobre o meu posicionamento, tinha a certeza que, para ti, não seria suficiente, por isso, cá estamos, não é? Bom, da outra vez, quis que entendesses o que me afasta da vida político-partidária do meu país, agora, sem me esforçar muito, vou tentar ir um pouco mais longe, colocando-me do outro lado, do lado do cidadão normal, daquele que tem que escolher, vou tentar fazer-te perceber quão difícil é optar se, digamos, eu ou qualquer outro cidadão, elegêssemos, como critérios principais para votarmos num partido, a seriedade, a responsabilidade e a transparência.»

Continuei.

«Suponho que fazendo um exercício desse tipo, não se poderá dizer ou pensar que eu seja um pessimista, pois, limito-me a estabelecer simples padrões de escolha, o que todos os cidadãos com direito a voto fazem ou devem fazer antes de irem votar, o que não pressupõe, necessariamente, a criação de um discurso e um plano de acção, releva-se somente a consciência pessoal, nada mais. Sem rodeios, te digo, o partido ou o projecto político que apresente no seu programa um documento, para facilitar, denominemo-lo um Compromisso Ético de Governação (CEG), teria o meu voto e provavelmente, da grande maioria dos Santomenses, desde que o proponente fosse credível.»

«E que consistiria em quê?»

«Em assumir que se ganhasse as eleições os membros do Governo, governariam com lealdade aos princípios morais e ao país, em 1º lugar; 2º, defenderiam a constituição, as leis e os regulamentos e nada fariam que os desrespeitasse; 3º, contribuiriam com as suas melhores ideias e o seu total empenho e esforço no cumprimento dos seus deveres; 4º, para cumprir os objectivos tentariam gerir os bens públicos com eficácia, diligência, pragmatismo e frugalidade; 5º, nunca aceitariam para si ou para familiares ou para amigos favores ou benefícios em circunstâncias que possam ser entendidas por pessoas razoáveis como influenciando a performance do governo; 6º, não fariam promessas pessoais de qualquer espécie no exercício dos seus deveres de governação, porquanto acima da palavra privada está o serviço público; 7º, não negociariam directa ou indirectamente com o Estado, para não colidir com o interesse público; 8º, nunca usariam informação privilegiada resultante da acção governativa para obtenção de benefícios pessoais; 9º, tornariam público qualquer acto de corrupção; por último, preservariam estes princípios, com a consciência de que realizar serviço público é servir os santomenses e os seus interesses.»

«Oh Deus!»

«Oh homem, tranquilo são 10, mas não são mandamentos, não no sentido do Santo Ofício, antes, são standards de conduta que não têm o propósito de proibir, mas sim de distinguir os conflitos menores e inconsequentes, que são normais e inevitáveis numa sociedade livre, dos conflitos substanciais ou materiais que permitem a corrupção e a decadência do poder. As condutas não podem ser regulamentadas, logo, um CEG proporcionaria linhas para enquadrar circunstancialmente a bitola comportamental dos membros de um executivo. O fundamental é transmitir à cidadania a ideia de que se pode governar sendo íntegros, despojados de agendas pessoais, objectivos, responsáveis, abertos, honestos e claros na liderança, por conseguinte, governar em defesa do interesse dos santomenses e com o espírito de serviço público, coisa que ainda não aconteceu na nossa República. É evidente que para o CEG funcionar, é obrigatório que se saiba antecipadamente quem será o 1º ministro, caso o partido ou o projecto que apresente a proposta ganhe as eleições, porque tem que ser um acordo entre ele e os cidadãos cuja razão de ser radica no peso de uma responsabilização política de cunho pessoal, mais ainda, sem exagerar, julgo que os ministros-sombra também devem ser conhecidos, alargando o compromisso e o nível do vínculo.»

«Soundbites!» Exclamou o meu amigo.

«Não, não são. Eu sei no que estás a pensar. Garanto que não resulta de uma atracção por estratégias políticas ou por políticos populistas, como sabes, não tenho esse tipo de fraquezas. A minha opção seria seguramente ideológica, porque, se, hoje, perguntassem aos santomenses o que lhes preocupa verdadeiramente, a resposta seria: como vai ser gerido o dinheiro do petróleo! Na minha perspectiva, responder a principal preocupação de uma sociedade, mesmo que seja uma preocupação circunstancial, exige um esforço ideológico, não tenho dúvidas disso, e se se introduzisse um CEG no debate, quem o fizesse partiria com a vantagem de ter iniciado um outro caminho.»

«E resultaria?»

«Dou-te um exemplo, talvez não seja o melhor, contudo, parece-me eloquente. Lembras-te do Contract With America do Newt Gingrich, o «ridículo» líder do congresso do Partido Republicano? Muito bem, o «Contract», à época, foi uma declaração política alvo de chacota de quase todos os analistas políticos, sobretudo os liberais, que o foram considerando um documento simples, digamos com todas as letras, básico mesmo, sem terem olhado para a América e o Mundo e sem terem lido com atenção a mensagem que subjazia o texto: responder em profundidade e com simplicidade às principais preocupações dos americanos. Equilibrar o orçamento, baixar impostos, cortar nas despesas sociais, restaurar a segurança, militarizar o estado etc. Com pouco mais do que isso, desde 1994, o Partido Republicano tem a maioria no Congresso e no Senado, condicionaram a Administração Clinton, ganharam a Presidência para o Bush Filho, mantendo a maioria nas duas Câmaras, e tornando real e efectivo o Neo-Conservadorismo, que não passava de uma série de enunciados avulsos, disso evoluiu para ideologia e daí para filosofia. Foi esse o resultado.»

«Estamos a falar de direita americana, certo?»

«Errado. Estamos a falar de métodos, de meios e de soluções para problemas. Espera aí, percebi que enfatizaste direita americana? Não me preocupa que a fonte seja a direita e americana, estamos a falar do Partido Conservador, que é uma organização democrática, e estamos a falar dos EUA, que é uma velha democracia, com a qual jovens democracias, como a nossa, têm algo que aprender, tudo, sem complexos, e, tudo, sem problemas em apontar, sempre que necessário, as fraquezas americanas. Voltando aos standards, acho piada a nova bandeira lançada em Janeiro deste ano pelo Partido Democrata, The Declaration of Honest Leadership and Open Government, acho linda a proposta»

«E...»

«Agora, já podes fazer ideia em quem vou votar.»


Abílio Neto

terça-feira, março 14, 2006

A política - os ditadores (I)




Menos um ditador, graças a Deus! E se a coisa continua assim, por ordem alfabética, o próximo será P..., e como há alguns cujo nome começa por essa letra, aceito apostas.
Abílio Neto

sexta-feira, março 10, 2006

A música – Chasin’ the Jazz Gone by, The Five Corners Quintet




Outro projecto do finlandês Tuomas Kallio, o anterior era o Nuspirit Helsinki, no qual partilhava o papel principal com Kim Rantala, que também aparece, e muito, por aqui. Se no NH a coisa passava principalmente pela bela (e fria, apesar da voz da Nicole Willis ) visão nórdica da soul e do funk, com incursões fortes de latin-jazz; agora e aqui, na FCQ trata-se de uma leitura apaixonada e muito elegante do jazz, de um jazz para pistas de dança - a textura electrónica e o groovy dos instrumentos tradicionais -, mantendo-se, contudo, uma componente latina muito forte, o que torna este cd excepcionalmente credível, mesmo quando intencionalmente, se sente nele algo de nostálgico, algo de antigo que se gosta. Muito bom.

Não me canso de o ouvir, acalma-me e transporta-me. Blue Cycles (cantada pela Okau) e This Could Be the Start of Something (cantada por Mark Murphy, tenho que descobrir esse velho). Para quem goste, há algo de Koop, da Compost Records, do Cool Jazz e da Bossanova conforme entendida por Quincy Jones, por aqui. Imperdíveis as canções, imperdível o album.

E a capa Sres., a capa é linda. Apetece beber um Chadornnay, fermentado em barrica, enquanto se olha para el, sugiro o Quinta da Alorna Chadornnay Reserva 2004. Já agora com o som do cd ao fundo.

Abílio Neto

O músico - Ali Farka Touré (1939 - 2006)



(1939 - 2006)

Aconteceu com o Ali Farka o mesmo que com o Miles Davis. Tinha a ideia e a vontade de ir ver os seus espectáculos, contudo, por um motivo ou por outro, não fui, pouco depois, falecem os génios, perdendo eu a possibilidade de os ter visto ao vivo. Não me perdo-o.

No caso do Ali Farka, tinha quase tudo agendado com o Angelo Torres para irmos até ao Monsanto, aliás, todo o programa era aliciante, e não fui; suponho que o Angelo tenha ido, acho que foi, lembro-me vagamente de termos falado sobre isso.

A última vez que vi o Ali Farka foi no documentário The Blues do Martin Scorsese, na 2 da RTP. Foi logo no 1º episódio, se não me engano, Feel like going home, filmado pelo próprio Scorsese.

Suponho que no sábado, n' A Hora do Blues (14:00 / 15:00), da RDP África, o José Vieira fará uma homenagem.

Abílio Neto

quarta-feira, março 08, 2006

A política – os políticos (alguns) e a escrita




Eu gosto de políticos que escrevem, ou melhor, os políticos que eu gosto escrevem, ou melhor ainda, os políticos que eu gosto são capazes de escrever, como tal, aos meus olhos, parecem-me políticos mais completos, mais habilitados, mais interessantes e mais articulados. Normalmente, quem escreve, sabe ler e quem sabe ler sabe liderar. Amilcar, Mandela, Churchill, Sengor, Blair, Havel, Fernando Henriques e alguns mais.

A excepção recente a essa regra, parece ser o Dr. Yalá. Com alguma condescedência posso dizer que escreve, se bem que não o tenha lido (a não ser extractos, em jornais, de um famoso livro de filosofia veterinária, medindo a preocupação do filosofo com o pensamento animal, sem se preocupar em ser parabólico e sem ensaiar uma fábula, no fundo, segundo entendi, um bom livro de auto-ajuda para animais). Por evidente, nem me passou pela cabeça fazer uma leitura da obra, porque não gosto do autor, contudo, o que posso dizer é que lhe reconheço imensa incapacidade, profunda inabilidade, pouco interesse e muita desarticulação.

Mas, nesse particular aspecto, vejamos o quadro actual das presidências da África que fala português: Guebuza, Dos Santos, Pires, Vieira e Menezes! Sinceramente, fico feliz por saber que, qualquer um deles é capaz de pagar à alguem para lhes escrever um mau livro.

Na eventualidade de isso vir a acontecer, atrevo-me a antecipar os resumos das contra-capas:

- Com guerra, conseguiu eliminar o seu principal adversário político, após largos milhares de mortos; depois disso, sem guerra, a mortandade não baixou, continuou nos largos milhares;

- À sombra do grande líder, foram guerrilheiros; depois disso, tudo fizeram para deixar o grande líder à sombra, escrito a duas mãos;

- Como guerrilheiro, a sua história é quase tão simpática como a de outros guerrilheiros que foram presidentes; depois disso, a história de outros guerrilheiros que foram presidentes não é tão antipática como a sua;

- Na 1ª República travou a guerra do cacau; depois disso, na 2ª República, também.



Abílio Neto

O filme - Syriana, Stephen Caghan




Se me perguntarem pelos meus cineastas (clássicos) preferidos, com alguma reserva, direi Frank Capra e Martin Ritt. Os dois Liberais. O 1º mais esteta, logo, alvo de quase todos os reconhecimentos; o outro, mais político, se calhar por fazer um cinema mais árido e directo, por isso, menos celebrado e considerado. Os dois muito bons.

Como é bom constatar que, hoje, o cinema liberal, comprometido, está de volta, em força, nos EUA. (Conclui-se bem pelos Oscares da Academia). O que significa que a criatividade americana quer dizer ao mundo, que ainda queira ouvir, como, apesar do crescente anti-americanismo, ainda consegue ser auto-reflexivo, sem estridencias e palermices. (Importa reter as palavras de Clooney, quem mais, na noite dos Oscares, no domingo passado).

Na passada sexta-feira, fui ao cinema ver Syriana.

Amanda Peet, 1º as senhoras (vista recentemente em DVD no Melinda, Melinda, do Woody Allen, sensacional aí e aqui), George Clooney, Christopher Plummer, Matt Damon, Chris Cooper, Mazhar Munir, Alexander Siddig e outros.

O filme tem muita qualidade. Está rodado num estilo docu-drama pós-moderno, tudo está feito para parecer uma grande reportagem com bom-gosto, ou seja, feita pela CBS, CNN ou BBC (e não pelo Michael Moore); o petróleo e o poder são os temas, mas também podiam ser o homem, as suas casas, a miragem e o deserto; o argumento é extarordinário para quem goste puzzles e de palavras com ritmo e citações fortes; a narrativa é fragmentada, exigindo imensa atenção para segui-la convenientemente; e um casting irrepreensível, à altura da direcção de actores, soberba, tendo em consideração a diversa proviniência dos actores.

A penúltima cena do personagem de Matt Damon, Bryan Woodman, um homem abatido e acidentado pela realidade, de costas voltadas para a camara, ie, para o mundo, perdido, no meio do deserto; a penúltima do personagem de George Clooney, um condutor solitário que se perde num cruzamento de duas auto-estradas no meio do deserto; e a última cena do advogado negro que chega a casa e encontra, sentado à porta, o pai perdido de bebâdo, são de um simbolismo atroz.

Confesso que não percebi bem a utilidade na história do personagem do pai do advogado negro, fiquei com a sensação que tinha algo que ver com George W. Bush! Parece-me, desconfio. Ébrio, descolocado, desconhecedor, desacertado e não percebo bem a sua utilidade na História. E aposto que cada vez mais se vai perceber menos. Refiro-me ao Bush.

«Todos se julgam leões e vão pensar que tu és um cordeiro, mas estou convicto que vais ser o leão que vai comer os cordeiros». Dean Whiting, personagem do Christopher Plummer.


Abílio Neto

segunda-feira, março 06, 2006

O artigo - A literatura e o seu destino, Eduardo Prado Coelho




(..) Segundo Stuart Hall nos propõe, devemos distinguir em primeiro lugar uma concepção da literatura (e da arte em geral) que é democratizada e socializada, na medida em que não se descrevem apenas os cumes da história. A cultura é agora vulgarizada porque descreve tudo aquilo a que uma sociedade recorre para dar sentido á sua própria existência (..) a cultura é um modo de vida global que se refere ao exercício das práticas sociais.

Que resulta disto tudo? Uma banalização de toda a experiência estética. A arte é por vezes de uma vulgaridade rasteira, ou então torna-se autocrítica (num sentido menos empolgado do que as rejeições de modernisno das vanguardas contra contra um progresso sem exaltação romântica). Mas, desta banalização resultam dois efeitos bem sintomáticos. Por um lado, perde-se a hierarquia dos objectos estéticos. Não há objectos meramente decorativos e outros que sejam sublimes. Há apenas objectos. E é tudo.

Em segundo lugar, a assimetria que uma obra de arte sempre pressupões (entre quem a fez e quem a vê) torna-se social, étnica, ligada à relação de forças entre as pessoas e os povos em geral.

É por isso que se desenvolvem no campo literário as análises de tipo feminista ou os estudos sobre o chamado «pós-colonial».

E faz cada vez mais sentido aquilo que a Maria Alzira Seixo escreve nas páginas desta revista (Cadernos de Literatura Comparada): «A necessidade cada vez maior que o universitário tem de pensar os media e a massificação.» Já não era sem tempo.

In Público, 2 de Março de 2006, A Literatura e o seu destino, Eduardo Prado Coelho, Professor Universitário.

Como gostei de ler o artigo e como o tema me interessa, trago para aqui, 1º, a versão.

(Normalmente leio o EPC na expectiva de ler um artigo como o acima citado, uma enorme e actual reflexão com poucas palavras, lamentavelmente, só tenho o prazer de ver isso acontecer não mais do que uma vez por ano. Entendo. Não se pode comer trufas negras todos os dias.)

Bem, como com um simples sampler não se faz uma canção, em 2º lugar, aqui vai o loop, o scratch e o refrão. Enfim, para entender-se o quadro geral, deixo para trás a cover version e vou a canção original e a nova canção feita a partir... da canção original.

«Cultural Studies» entende a vida como um projecto político radical, fixando a centralidade intelectual no quotidiano e na cultura popular.

O contributo de Hall é significativo no sentido em que ele não dá prioridade a um modo exclusivamente académico como o meio de produzir conhecimento e compreensão. A escrita pós-colonial reconhece o trabalho fundado e produzido pela intersecção da arte e da cultura popular.

No «Postmodernism and Popular Culture» eu faço 2 sugestões muito simples. Eu sugiro que o superficial não representa necessariamente uma queda da cultura no sem significado e no sem valor. A análise do considerado trivial não deveria permanecer ao nível da leitura semiótica. Nesse sentido, o posmodernismo emergiu como uma lufada de ar fresco ao permitir aos críticos culturais transferir o seu olhar na procura de significado no texto indo, antes, em direcção ao jogo sociológico entre imagens e entre diferentes formas culturais e instituições.

A critica de Lyotard as meta-narrativas da história coincide com o emergir da crítica pos-colonial, o sujeito subalternizado que não consegue encontrar na análise Marxista um espaço confortável para si.

Stuart Hall argumenta que o novo mundo é muito diferente. Há alterações nos limites e nas fronteiras, novos mapas, novos nacionalismos, e transnacionalismos. Ele parace estar a sugerir que o que nós temos que fazer, como sociólogos, é explicar estas mudanças. Em vez de defender a modernidade, Hall relembra-nos sobre o «outro lado» da modernidade. Onde alguns viam ordem, razão e objectivos alcançados, humanidade e visão, ele vê selvageria e turbulência. Ele é uma voz pos-colonial.

In Postmodernism and Popular Culture, Angela Mcrobbie, 1994. Routledge.

Abílio Neto