sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O livro – Gramsci: Cultura e Antropologia, Kate Crehan




Volto a minha postura habitual: não comento, nem analiso livros, deixo-os falar por si.

Neste caso, tive que me conter, pois, trata-se de uma obra sobre Antonio Gramsci, um autor que me atrai particularmente, mais pela influência e projecção actual da sua obra, que pela obra em si, que não sendo datada, reconheça-se, tem muitos dos tiques do seu tempo, nomeadamente, os marxistas.

Contudo, a componente cultural e estritamente intelectual mantem uma actualidade impressionante. Estamos em presença do criador dos conceitos Sociedade Civil, Intelectual Orgânico, Hegemonia e o influenciador fundacional da Cultural Studies e da Subaltern Studies. Para mim, Gramsci é um fétiche.

Sobre a autora, Kate Crehan, não há muito a dizer, é de esquerda, da esquerda que eu não frequento, mas, pela experiência desta obra, reconheço-lhe, à ela, bom gosto, clareza e lucidez.

Outras obras da autora, não editadas em Portugal, nem traduzidas, mas que podem interessar:

- The Fractured Community: Landscapes of Power and Gender in Rural Zambia;
- A Vague Passion for a Vague Proletarian Culture.

Aqui vão as minhas citações:

- «Paradoxalmente, o novo, por mais revolucionário que possa ser na realidade, tem de (se quiser ser inteligível) exprimir-se, pelo menos, inicialmente, na linguagem e conceitos existentes. Gramsci, que sempre se preocupou em tornar as suas ideias tão acessíveis quanto possível, adoptou muitas vezes uma estratégia: tomar um termo existente e, por assim dizer, moldá-lo e subverter mesmo o seu significado.»

- «Se uma ideia for partilhada por bastantes pessoas, torna-se, por assim dizer, material. L’Ordine Nuovo ostentava no se cabeçalho a palavra de ordem «pessimismo do intelecto, optimismo da vontade».(...) Esta transformação das ideias e crenças em «forças materiais» capazes de actuar na história pode ser descrita de outra forma: como se dá a sua circulação para lá de um grupo limitado de intelectuais, ao ponto de passarem a fazer parte de uma cultura geral.»

- «Segundo Gramsci, o povo subordinado pode ser capaz de ver muito claramente o pequeno vale que habita, mas continua incapaz de ver para lá dos limites do vale e de compreender como o seu pequeno mundo se encaixa no outro mundo mais vasto que fica para lá dele. As reflexões de Gramsci sobre a cultura subordinada partem do pressuposto de que ela não consegue produzir movimentos políticos eficazes, genuinamente transformadores.(...) O essencial aqui é que, porque o marxismo representa «a concepção de um grupo subordinado», não pode avançar para lá de um certo nível.»

- «Os intelectuais orgânicos de um grupo, os que articulam e sistematizam a sua concepção do mundo, são cruciais para a liderança pela persuasão. No entanto, não é fácil criar esses intelectuais e gerar, o que é na essência, uma nova «cultura».(...) Este contínuo movimento entre intelectuais e «simples» é central na análise de Gramsci ao problema como surgem as culturas e se reproduzem.»

- «Uma tarefa crucial para qualquer nova classe em luta para fazer surgir os seus próprios intelectuais orgânicos é conquistar e assimilar os intelectuais tradicionais existentes.»

- «Para Gramsci, a mola real da cultura não é a economia; é, em última análise, a história.(...) Por outras palavras, Gramsci deixa de lado toda a hierarquia base / superestrutura. Uma consequência disto é que a questão de saber se a «cultura» em geral faz parte da superestrutura ou da base torna-se inútil. A «cultura» de uma sociedade, para Gramsci, consiste nesse amontoado heterogéneo de detritos depositados pela história – com certos elementos encaixando-se entre si e outros não – dos quais só faz sentido falar em relação a fenomenos culturais específicos, em contextos históricos específicos.»

In, Gramsci cultura e antropologia, Kate Crehan, Campo da Comunicação.
Nota: A foto usada não corresponde a foto da capa da edição portuguesa.

Abílio Neto

A televisão – o MTV base meets Tony Blair




O Trevor Nelson anunciou anteontem, 22 de Fevereiro, no The Lick, MTV base. 06 de Março, às 21:00 horas GMT, se bem percebi. Trata-se de uma entrevista de 30 minutos ao 1º Ministro Britânico, conduzida por Tim Kash, com a participação de jovens de diferentes países africanos, que terão a oportunidade de questionar directamente Tony Blair.

O programa foi gravado, ao vivo, em Johannesburg, durante a Cimeira da Progressive Governance, 11 / 12 de Fevereiro.

Segundo o press release, a conversa andou a volta de «temas que deveriam importar a juventude africana hoje» - acrecento eu, sempre -, tais como, a problemática troca / ajuda, pobreza, crescimento demográfico, educação, a imagem de África no Ocidente, a propriedade intelectual, a saúde, liberdade de informação, democracia, alterações climáticas e o fim dos subsídios à exportação.

Tem interesse.

De qualquer forma, convem confirmar a data / hora, na Europa, pois, a mim, pareceu-me perceber o Trevor Nelson anunciar a emissão para 2 de março as 20:00 horas.


Abílio Neto

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

O livro - Um Clarão Sobre a Baía, Albertino Bragança




É sempre mais interessante contar com interpretações politicamente incorrectas que correctas, porque aquelas são capazes de questionar com eficacia os mitos dominantes.
In El Mundo, 21.08.2006, entrevista à Stanley G. Payne.

Estava a reler a entrevista de Stanley G. Payne, no El Mundo de 21.08.2006, na qual o Professor de Columbia - Historiador, especialista na Guerra Civil Espanhola e em Regimes Ditatoriais -, reflectia sobre o impacto social, político e intelectual do «franquismo» na realidade histórica de Espanha, quando me fixei nas palavras que abrem a minha reflexão, imediatamente associei-as à promessa que havia feito em Janeiro de voltar ao livro de Albertino Bragança, no início de Fevereiro. Na altura, não foi possível, por questões pessoais, deixei passar a data simbólica que pretendia realçar, a prisão do meu pai, Albertino Neto, em Fevereiro de 1977, por um regime ditatorial. Ainda assim, estive tentado em fazê-lo, noutra data simbólica, próxima, também em Fevereiro, que coincidiria com a prisão da minha mãe, Maria do Carmo Bragança Neto, em 1977, pelo mesmo regime, pelas mesmas razões pessoais, não o fiz.

Volto agora e deixo o realce das datas simbólicas para os seus 30 anos. Uma promessa a cumprir, em 2007, seguramente.

Não vou perder tempo a analisar literariamente a obra, ou seja, não me importa a estilística, nem tão pouco a estrutura, deixo essa preocupação para os especialistas, interessa-me sim celebrar o aparecimento de um livro que, pela primeira vez, questiona o ainda grande tabu do Pós-Independência de São Tomé e Príncipe, a Ditadura 75/90.

Leia-se a dedicatória, com atenção. Um preso político morto na cadeia. 1 morto / 100.000 de habitantes, 10 mortos / 1.000.000 de habitantes, 100 mortos / 10.000.000 habitantes and so on. Não é uma questão de numeros, é a percepção da violência, da impunidade e da pulhice.

O livro é político - como todos os bons romances -, todavia, muito mais que contar uma boa estória e muito mais que narrar factos históricos, do meu ponto de vista, o autor constrói a obra em volta da ideia pertinente e bastante actual de a nação santomense dever esforçar-se por não perder a sua memória colectiva, disponibilizando-se por absorver criticamente todos os momentos que nela têm que estar, sob o perigoso risco de, se não o fizer, gerações inteiras poderem perder parte significativa de si, por faltar algo, por faltar uma ligação que torne possível uma mais clara compreensão de qualquer coisa parecida com uma identidade nacional, que se deseja existir e consolidar.

A história é directa, resume-se a histórias de vidas numa ditadura, sendo que, paradoxalmente, nesse tipo de regimes, todas as vidas deixam de ter histórias, por anomia, parece que tudo começa do zero, parece que alguém tem que se designar Criador, parece que alguém se oferece (sem ser convidado) para fazer de Deus, daí, talvez, a obsessão dos ditadores em auto-designarem-se por Pai disto e/ou por Guia daquilo, como se toda a história, bem como toda a vida dentro dela, lhes pertencesse.

Os personagens são de hoje, por serem uma criação de anteontem e uma construção de ontem, são redondas ou circulares, exactamente como os reconhecemos no dia-a-dia santomense.

«Um clarão sobre a Baía» é simplesmente o mais importante romance contemporraneo santomense, porque quebra a regra do silêncio, a ormetá de latitude 0, sobre o mais tenebroso período da história política e social do país. O livro como que abre a porta de entrada a outras obras e outras perspectivas, que, com certeza, passarão a ter um referente.

Daí, mesmo tratando-se de uma literatura correcta - por ex., o ditador não é personagem, quando sabemos não existirem ditaduras sem ditadores -, a sua importância reside no facto de ter sugerido possibilidades, feito o seu trabalho, caberá a outros aceitar o desafio e seguir outros caminhos menos correctos, «…capazes de questionar com eficácia os mitos dominantes». Da minha parte, posso garantir que, mais tarde ou mais cedo, irei a jogo.

E agora vem a parte pessoal.

O autor do livro é meu tio, Albertino Bragança, «Doutor». O autor da capa é meu primo, Ekeseni Bragança, «Neco».

(Um pequeno comentário, em resposta às inquietações da minha prima Maria Alves Neto Trovoada, «Lavinha», que também escreve e muito bem: cara, na família, definitivamente, nunca haverá ricos, nem nunca enriqueceremos, mas haverá sempre gente disposta a enriquecer o país...)

Obrigado Tio, não me esquecerei do Capítulo V, porque o vivi contigo.

Obrigado primo pela bela capa. Nunca serás capaz de me fazer crer que a escuridão subtil que ainda existe na tua Baía, a Baía que imaginaste, desenhaste e criaste, foi deliberada ou se terá sido mera coincidência.

Coisa não há, mas coisa existe!
In Um Clarão sobre a Baía, de Albertino Bragança, Ed. Instituto Camões – Centro Cultural Português em São Tomé e Príncipe.



Abílio Neto

terça-feira, fevereiro 14, 2006

A política - Legislativas 26.Março.2006 (I)





O Presidente da República de São Tomé e Príncipe (STP) anunciou a data das Eleições Legislativas: 26.Março.2006.

E começou a montagem de outro circo de disparates e vacuidades, que já vinha de antes, protagonizado por personagens de toda a vida, que insistem, e continuam a insistir, em ser maus acrobatas, trapezistas desajeitados, domadores medricas, leões sem garra nem juba, alegres palhaços de alma triste, sublimemente dirigidos por Mestres de Cerimónias, MCs, incapazes de olhar de frente para o seu público e esboçar um simples sorriso, não sendo capazes de transmitir, assim, um pouco de sonho, de ilusão, de esperança e de história.

Não gosto de circos, é sempre muito barulho para muito pouco, e como penso que o país precisa de calma para fazer muito, vou contar uma história que se passou num almoço tranquilo, num restaurante, em Lisboa.

Há dias, por culpa do Expresso, que trazia um artigo sobre STP, um amigo não santomense, enquanto almoçávamos, entendeu perguntar-me o que eu achava do clima actual do meu país, embaraçando-o e desembaraçando-me, respondi: «o de sempre, muito nublado no interior montanhoso, com algumas abertas no litoral, os habituais 25/27 graus e a humidade entre os 70 e os 90!». Insistiu, «o clima político!». Apesar de eu ter insistido em dar a mesma resposta, «o de sempre...», omitindo no interior montanhoso, no litoral, graus, a humidade, não foi o suficiente, obrigou-me a dizer qualquer coisa mais e eu disse.

Fui dizendo, conforme ele ia dizendo, ou perguntando.

«Se algum partido ou conjunto de partidos fizesse uma proposta eleitoral que significasse um Projecto Global de transformação da sociedade, que visasse aprofundar o regime democrático e, simultaneamente, articular criatividade ideológica com medidas reformadoras claras, talvez ponderasse envolver-me, talvez deixasse para trás a minha habitual e pouco responsável inacção e, pela 1ª vez, assumisse um compromisso político, num quadro partidário.»

E continuei.

«Todavia, a coisa não seria assim tão simples, pois, mesmo que me revisse em alguns dos princípios, e chegasse a um compromisso genérico, duvido muito que fosse possível ir para além disso, por eventual distanciamento de pensamento, o que me deixaria na mesma perante os meus interlocutores. Repara, eu sou um democrata radical, ou seja, ainda julgo possível realizar-se efectivamente os pilares fundamentais de uma democracia conceptual: igualdade, liberdade, universalidade, separação de poderes e representatividade. Não, não são meros conceitos, é convicção pessoal, não sei pensar e viver de outra forma. Não concebo uma sociedade não solidária, em que o estado não seja capaz de garantir condições mínimas de existência aos mais fracos e desprotegidos, promovendo, por acção, rigorosamente controlada e balizada, o botton up. Não seria capaz de abdicar das liberdades, nomeadamente, da liberdade de expressão, da livre criação, da livre iniciativa privada e da livre disposição dos benefícios, enfim, do mercado livre. Não me agradam intromissões ao direito de cada um dispor de si, e da sua vida, enquanto individuo e cidadão, da forma que lhe apetecer e lhe der na gana, desde que com a sua acção ou omissão não viole o mesmo direito de outro igual. Quanto aos poderes institucionais, a Constituição, enquanto soft power, e a Lei, essencial, simples, directa e aplicável, são os limites, deixando um amplo espaço para a intervenção da Sociedade Civil

Não perdi o fôlego, porque o meu amigo, nessa altura, me interrompeu para exclamar: «Não acredito que a maioria dos políticos santomenses não partilhem dos mesmos princípios!»

Aí, tive que continuar.

«É-me irrelevante saber se os princípios são partilhados ou não, numa perspectiva meramente teórica, o que me interessa é a atitude, o estilo, a acção, o modo de ser, o modo de estar, o modo de fazer, resumindo, a visibilidade desses princípios na intervenção política santomense, e isso eu não vejo, não cheiro, não ouço, não toco e tão pouco sinto, metaforicamente falando, entendes, não?»

«Não.» Não estava a entender. Muito bem, prossegui.

«Bem, vou tentar explicar-te, dando 3 exemplos e já entenderás melhor como a coisa pode ser grave. O 1º, a formação «existencial», a último ratio, do pensamento e do discurso de todos os políticos santomenses que eu conheço é o Nacionalismo Africano, uma matriz com forte conotação colonialista, aliás, aparece, e muito bem, como sua antítese. Contudo, curiosamente, tendo o nacionalismo africano, aparentemente, sido bem sucedido na superação do colonialismo, com o advento da independência, continua atavicamente a ser o fio condutor do pensamento político em STP, basta verificar que, ainda hoje, se algo corre mal, por manifesta incompetência do decisor político nacional, sempre resta a possibilidade de «culpar» o colonialismo, talvez seja essa uma boa explicação, expiatória, claro, para a tremenda duração dessa matriz e para a relutância em abrir-se o pensamento político a outros paradigmas. Parece-me, não sei. Sei que não posso comungar de statements do género, «a democracia é colonialista», não relativizo regimes autoritários, não posso herdar a autenticité do Mobutu, não concordo com a reforma agrária do Robert Mugabe, não defendo determinismos e essencialismos. Sou um Pós-Colonialista, penso num outro paradigma e o meu discurso reflecte a complexidade da minha época, com todas as incertezas e riscos que ela tem. O 2º exemplo, já não tem nada que ver com o discurso, mas tem tudo com a linguagem, não consigo dizer tantos portantos como habitualmente os políticos do meu país dizem, suponho que a pobreza e a ausência de profissionalismo que isso revela seja um dos requisitos para se fazer parte da classe, e aí, saio a perder, saio mesmo a perder, porque não consigo ser tão básico e displicente. E não lamento. Por fim, o 3º e último exemplo, sou fundamentalmente um performer, estou habituado a trabalhar com base na ideia simples, mas, assumidamente pragmática, de uma pergunta / uma reposta, logo, se tivesse que prestar serviço público agiria sempre pressupondo o seguinte: o que é que se pretende atingir? Defina-se os objectivos e depois discuta-se os meios. O que me obrigaria a ter que fazer balanços permanentemente. E isso teria consequências, para mim, porque vincular-me-ia a prestar um bom serviço público, significado do meu dever, da minha obrigação para com os outros, mas também responsabilizaria a sociedade, que sendo a beneficiária, teria o dever de responder ao desafio, obrigando-se a melhorar a sua performance, mediante a melhoria do serviço público que lhe prestariam. Achas sinceramente que...?»

Respirei fundo, olhei para o meu amigo, ele olhou para mim e continuamos a comer, não fosse a comida ficar fria.

Abílio Neto







Os meus vinhos de 2005







Tardiamente, mas com timing, os meus vinhos de 2005.
Antes da lista, devo prestar alguns esclarecimentos para que os, ainda, menos entendidos do que eu, que sou iniciado nestas coisas dos vinhos, percebam alguns dos critérios das minhas escolhas.
1º, os vinhos escolhidos são todos portugueses e espanhóis;
2º, os vinhos seleccinados, salvo, algumas poucas excepções, significam o meu encontro com «novidades», novas castas, novas técnicas (de vindima, de fermentação, de envelhecimento, enfim, de vinificação), novos terroirs, novas «manias» e novos hábitos;
3º, os vinhos apresentados têm uma excelente relação qualidade / preço;
4º, alguns, são uma paixão, pela côr, pelos aromas, pela boca, pelo retro-nasal, pelo produtor, pelo enólogo, pelo rótulo... e até pelas circunstancias em que foram provados;
5º, não foram considerados vinhos velhos.
Brancos
Redoma Reserva - Douro 2004
Valle Pradinhos - Trás-os-Montes 2004
Solar Serrade - Alvarinho 2004
Muralhas - Vinho Verde 2004 (um vício )
Qta. da Murta - Arinto (Fermentado em Barrica) Bucelas 2003
Casal da Coelheira - Chardonnay (Fermentado em Barrica) Ribatejo 2004
QA Reserva - Chardonnay Ribatejo 2004
Esporão - Verdelho Alentejo 2004
Viña Mocen - Verdejo Rueda 2004
José Pariente - Verdejo Rueda 2004
Erebo - Godello Valdeorras 2004
Bodegas Pirineus - Barrica LH Rueda 2001
Enate - Gewurztraminer Somontano 2004
Tintos
Qta. do Vallado - Reserva Douro 2003
Qta. de La Rosa - Reserva Douro 2003
Qta. do Alqueve - Syrah Ribatejo 2001
Qta. da Cocapalha - Reserva Estremadura 2004
Cumieira - Touriga Nacional Estremadura 2001
Herdade dos Grous - Reserva e DOC Alentejo 2004
JPR - Syrah Alentejo 2004
Vila Santa - João Portugal Ramos Alentejo 2004
Qta. Quietud - Toro 2001
Taurus - Crianza V Tardia Toro 2002
Cañus Verus - Roble V V Toro 2004
Abadia Retuerta - Sel Esp Ribera del Duero 2001
Martinet Bru - Priorat 1997
Rotlan Torra - Priorat 1999
Outros / Fortificados
Todos os Vintage 2003 que provei e foram alguns, mas...
Poças - Vintage DC Porto 2003
Fonseca's - Vintage Porto 2003
Tio Pepe - Palomino Fino Xerez
Néctar - PX Xerez
Os que mais me surpreenderam foram estes. Esqueci-me de alguns, seguramente. Mas, como é evidente, não faria uma lista exaustiva de todos os vinhos provados.
Abílio Neto

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

A vida - um jantar no La Moneda, na véspera do Ano Novo




No dia 30 de Dezembro de 2005, sexta-feira, à tarde, telefonou-me o Luís Paquete a convidar-me para irmos jantar ao La Moneda, que ele ainda não conhecia e queria conhecer. Aproveitáriamos a estadia em Lisboa do Ricardo Godinho Gomes, «Caduxa», e do Paulo Vieira para pormos a conversa em dia.

Como fomos os 1ºs a chegar, ainda deu para pedir uma caipirinha para mim e um sumo natural de manga para a Angela e ter uma conversa agradável com o Johnny no bar.

E assim foi, acompanhados das respectivas esposas, Angela, Marisol e Suzete, às 10:30 (porque só tínhamos conseguido marcação para o 2º turno do restaurante), estávamos todos. O Paulo Vieira não levou a namorada, um «privilégio» de quem ainda não tem esposa.

Coube-me a tarefa de escolher o vinho para a noite, como a maioria ia comer carne, by the books, escolhi um vinho tinto do Douro, o Vallado DOC de 2003, o irmão mais novo do melhor vinho português do ano, no meu humilde ponto de vista, o Quinta de Vallado, Reserva 2003.

O jantar foi excelente, a comida do Leo Guzman, como sempre, óptima, do mundo e criativa; o vinho frutado, marcado pela Touriga Nacional casou bem com as propostas gastronómicas; o ambiente cool também ajudou, até deu para ouvir a Pull up to the bumper, da Grace Jones; saímos do restaurante, cerca das 3 da manhã, porque o Leo e o Johnny tinham que fechar.
Durante o tempo que lá estivemos, falamos da Guiné-Bissau, ou melhor, conversamos sobre a actualidade política e social guineense, o «social» aqui é um pleonasmo para a má-língua. Não vou escrever uma linha sobre o que dissemos, por discrição e respeito.

De qualquer forma, do muito que se confidenciou durante o jantar, abro uma excepção, para um desabafo da Suzete, muito dela, «porra, vocês só sabem falar de política, mudem de tema!» Retive estas palavras. Tem toda a razão, «Suza», sempre que estamos juntos, a política dos nossos países marca a conversa, não dando espaço para mais nada. É um aborrecimento, até porque não nos faltam temas de conversa e a política não é tudo, nem pode ser tuda na vida.

Neste fim-de-semana, no domingo à tarde, em casa, enquanto escrevia algo de insignificante no PC, ouvia o Pirates Choice, da Orchestra Baobab, veio-me violentamente à memória as palavras que mais retive no nosso jantar no La Moneda.

Prometo que não vou falar de política, mas ao ouvir Utru horas questionei-me: o que é que estão a fazer à Guiné-Bissau?

Lua é di nós, lua i pa nós...
Utru horas
, José Carlos Schwartz, in Pirates Choice, da Orchestra Baobab.

O que foi feito destas tão belas palavras?
Sem querer falar de política, julgo que caberá aos políticos guineenses, sobretudo eles, responder.

Abílio Neto

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

O meu futebol 2005




O acontecimento desportivo do ano.


A retirada do Pedro Barbosa do futebol, do Sporting.
Era e é um personagem fascinante. Tudo nele era contigente, conflitual e pouco consensual, apesar do talento e dos muitos recursos, exactamente como os nossos tempos. Por isso, costumava dizer que era o mais pós-moderno dos jogadores de futebol. Jamais esquecerei o capitão, o melhor 8 do futebol. Chamavam-lhe algo tão internacional como croissant, quando ele era uma alheira de caça, muito típico, muito português, muito gourmet, mas não exportável e também um Barca Velha, um capricho da natureza.

Com pena minha, continua o sportinguismo a não saber lidar com grandes personalidades futebolisticas (talvez pela pequenês dos diregentes, que deixam em manifesto o incomodo que lhes causa personalidades maiores, no caso, um futebolista) e a não ser capaz de celebrar o melhor que temos, muito lamentável.


Não me lembro de ouvir da boca do Pedro Barbosa, nas entrevistas, uma palavra fora de tom. As suas entrevistas eram autênticas lições de saber estar (estamos a falar de um futebolista). Influenciavam. Marcavam o tom. E até as suas más palavras, em campo, marcavam e influenciavam.

Pergunto ao sportinguismo: o capitão não merecia uma homenagem digna ao retirar-se ou serei eu que estarei equivocado?

Adeus Excepcional Capitão.

Aguardamos o teu regresso.


Abílio Neto

A minha política de 2005














O acontecimento internacional do ano.


- Os atentados em Londres.
A cidade não merecia, os londrinos tão pouco e muito menos Tony Blair (aliás, ninguém merece isto). Sim, Tony Blair. O ReinoUnido não teve, em toda a sua profunda história democrática, um líder com uma agenda política tão abrangente, diversa, justa e incluente, como a de Blair. Blair é o líder mais culturalista (a sua formação intectual e ideológica é feita com os pensadores do cultural studies, Hall, Giddens, Beck, Mouffe et al, incluindo os pós-coloniais, Said, Appudarai) de todos os líderes actuais (provavelmente, de sempre, pela possibilidade) é o que mais tem olhado e feito pelo «outro», não na lógica dogmática de «ou isto ou isso», mas sim na lógica aberta e tolerante de «se não, mas também».



O acontecimento africano do ano.



- O regresso de João Bernardo Vieira, Nino, à presidência da Guiné Bissau.

Como não gosto de ditadores (pois, para mim, não existem ex-ditadores, porque não existem ex-jogadores, nem ex-professores, nem o bacalhau é um ex-peixe...), não posso gostar deles no poder. Todavia, apesar de ter sido mau, devo dizer que o facto atenua-se por eu saber que por detrás da sua candidatura e victória estiveram e estão democratas que, espero, para o bem da Guiné, não façam a pior das opções, a de desleixarem os seus nobres valores a favor de valores ignobéis; enquanto que por detrás da candidatura e derrota do seu oponente, pareceu-me não haver nada de pensamento e estratégia, nem ninguém que pensasse, quando assim é não há nada a fazer, perde a democracia por ser feita por não democratas, o que é uma perda sempre relativizável.


O acontecimento santomense do ano.



- Tenho dúvidas, entre o 30º aniversário da independência, o não acontecimento habitual, o documentário do Angelo Torres, Mar Angolar, o emergir do poder judicial (Procuradoria Geral, Tribunal de Contas, Tribunal Constitucional e Advogados) e a nomeação do Eng. Gaudêncio Costa como super-ministro das pastas económicas, porque, pela 1ª vez eu, publicamente, manifestei a minha satisfação por uma nomeação para um Governo do meu país, enviando felicitações escritas ao nomeado. Não foi fácil escolher.


Qualquer um dos temas merecerá uma atenção mais cuidada e profunda ao longo destas páginas.

Elejo a nomeação do Gaudêncio Costa. O critério para a minha opção foi simples e é entendível se se fixar nos seguintes pontos:

1. Num ano de eleições (decisivas para o país, segundo a minha perspectiva, mais do que qualquer outro ano) em São Tomé e Príncipe, julgo que a política deve terminar o ano em destaque, porque vai começar o ano em destaque;
2. Esta escolha tem um significado pessoal óbvio, tanto pelo acto de elogiar publicamente a nomeação, como pela minha própria opção de assumir que considero importante manifestar-me, pela 1ª vez, sobre um acto político do meu país, julgo ter chegado a altura de alterar comportamentos;
3. É um compromisso pessoal com uma personalidade, o Gaudêncio Costa, a quem reconheço capacidade, honestidade e diligência para governar bem.

Vincula-me a minha escolha, pelo critério exposto, claro está, não me vincula a acção do Gaudêncio Costa enquanto ministro, pela condicionante de fazer parte de um governo - que me parece fraco no geral, que está a prazo, logo, condicionando e que não representa um Projecto Global de transformação do país - enfim, um governo cuja política nunca poderei assumir, até porque é um típico governo do MLSTP-PSD, ou seja, um governo normalmente de poucas (muito poucas) ideias e zero de criatividade.


Abílio Neto

A minha obra de arte de 2005




A obra de arte que mais me impressionou.

A nova ala do Centro de Arte Moderna Reina Sofia, em Madrid, de Jean Nouvel. Vale a pena ir a Madrid para ver o que a imaginação desbordante, com equilibrio, pode fazer com um espaço bem concebido, já existente e perfeitamente integrado, num quarteirão urbano com história, potenciando ainda mais a possibilidade da sua utilização. A ala. Toda. O Bar-Restaurante, a Biblioteca e a Livraria, excelentes, atente-se ao mobiliário, por favor. Arquitectura em estado puro. Já agora, quem fôr, deve passar pelo Museu Antropológico que é logo ali ao lado, para não sugerir um passeio pelo Bairro de Lavapiés que também está ali ao lado e tem tudo que ver com antropologia.

Ainda não vi a Casa da Música do Rem Koolhaas.

E nada de impressionante resultou das exposições vistas ou de qualquer outra manifestação artística, digamos. Este ano, ganhou-me a arquitectura.


Abílio Neto

O meu cinema de 2005






E os melhores filmes, no cinema.


- A InterpreteSidney Pollack
Incrível interpretação de Nicole Kidman. Uma mais. Não me venham com merdas do género «e aqueles trejeitos forçados de personalidade perturbada e aquele sotaque... inverosímel, cabotino!» Não, não posso aceitar esse tipo de argumento, sobretudo conhecendo muitos portugueses «retornados» de África, defendo que o filme tem tudo a haver com essa perturbante e desafiadora realidade. O filme propõe-se, e consegue, retratar, mais do que tudo, o choque da «deslocalização» de personalidades face a «localização» de personalidades na época da Globalização, só isso. Como amostra, perfeito.


- O Jardineiro SilenciosoFernando Meirelles
Outra vez África. Sinceramente, quando soube que a actriz principal era a Rachel Weiz, porque não conhecia a obra de Le Carré, pensei: «Oh meu Deus, gritaria e overacting com fartura!» Estava a pensar nas passagens da actriz por África, Egipto, noutro filme-sequela que recuso-me a mencionar. Nada mais errado. Ofusca Ralph Fienes com uma interpretação magistral, cheia de olhar e de elan. O realizador percebeu África e o continente agradece-lhe. A sua personagem faz o percurso contrário ao da personegem da Nicole Kidman em A Interprete, conseguindo, contudo, chocar, não pela perturbação evidente e visceral, mas pela perturbação contida, que se sente cada vez que ela aperece no ecrã, e que se deve à inquietude, à revolta e ao sonho que alimenta de ainda poder mudar o mundo, quando percebe que jamais o poderá fazer. Significativamente, a cena da palestra em Inglaterra «marca» o decrescendo da exaltação da rebeldia.


- Ela Odeia-meSpike Lee
Chegou a vez de Spike Lee homenagear James Baldwin, homenageando a liberdade de opção sexual. E fá-lo na perfeição. Simbolicamente, coloca, de inicio, o personagem masculino na pele do vulgar macho homofóbico, muito querido a cultura pop negra mainstream (e a cultura africana tradicional também, existe aqui uma matriz!), sobretudo à do hip-hop da MTV, mas com o evoluir da trama a narrativa ganha complexidade e força. Desconfio que a aparição do Q-Tip como actor secundário não foi casual, «Bonita...you gotta put me on...i wanna tell you things some brother don´t»! E o prazer de ver grandes actores. Pessoalmente, não gostei do casting do actor principal, preferia que tivesse sido o britânico Chiweter Ejiofor, mais credível, mais versátil e mais camaleónico, adaptar-se-ia melhor aos diversos momentos psicológicos da história. Uma opinião.

De realce, um ano mais sem cinema africano no grande ecrã português, lamenta-se.


Abílio Neto

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Os meus livros de 2005








Os melhores livros que li este ano, não necessariamente edições de 2005.


- Timothy Garton Ash -
Free World
«Em todas as democracias há um debate sobre a política exterior; se não, não é uma democracia. Mas para seguir uma estratégia nacional, seja qual seja, um país deve alcançar um consenso mínimo sobre o que é e onde quer estar. Necessita de ter uma certa ideia de que relato quer contar.»
«Uma nação é um grupo de pessoas unidas pela sua aversão aos seus vizinhos e que partilham um mal-entendido acerca do seu passado.»


- Chantal MouffeO Regresso do Político
«A noção de cidadania democrática radical revela-se fundamental, porque é susceptível de facultar uma forma de identificação que permite o estabelecimento de uma identidade política comum entre várias lutas democráticas.»
«Nenhuma identidade é alguma vez definitivamente estabelecida, havendo sempre um certo grau de abertura e de ambiguidade na forma como as diferentes posições do sujeito são articuladas.»


- Joseph E. StiglitzGlobalization and Its Discontents
«Por vezes a entrada de recursos pode mesmo obstar ao desenvolvimento, através de um mecanismo denominado a doença-holandesa. O afluxo de capital conduz a uma apreciação da moeda, embaretecendo as importações e encarecendo as exportações»
PS: O título está em inglês por me recusar a escrever o estúpido título da tradução para português depois de todos os «bloquistas» o citarem e Mário Soares, reconhecido anti-3ª via, ter citado a obra num debate a TV, quando, curiosamente, o autor foi consultor de Bill Clinton e influiu decisivamente sobre a sua política económica!


- Ulrich BeckLa Mirada Cosmopolita o la Guerra es la Paz
« - ...Santina Battaglia...
- Donde és?
- De Essen.
- Não, refiro-me a tua origem.
- Nasci em Essen.
- E os teus pais?
- A minha mãe também é de Essen.
- E o teu pai?
- O meu pai é italiano.
- Ah, está bem.É um apelido italiano?
- Sim.
- E de que parte de Itália tu és?
- Eu não sou italiano.
- Mas os teus pais...»


- Martin Amis - The Rachel Papers
«Londres é a cidade onde as pessoas vão a fim de regressarem de lá mais tristes e mais sábias».


- Chinua AchebeA Flecha de Deus
«Quando ouvimos dizer que uma casa se desmoronou, perguntamos se o telhado também caiu?»
«Um homem pode recusar-se a fazer o que lhe pedem, mas não pode recusar-se a ouvir o que lhe perguntam.»


- Salman RushdieFúria
«A ignorância, desde que apoiada numa quantidade suficiente de dólares, se torna sabedoria».


- Albertino BragançaUm Clarão sobre a Baía
«Coisa não há, mas coisa existe!»
PS: Mais adiante, à 5 de fevereiro, ou perto disso, voltarei a esta obra com outro cuidado.


- T. Teles / R. Falcão / P. GomesGuia 2006 de Vinhos Portugueses & Estrangeiros
O melhor Guia de Vinhos de Portugal, pelo critério, pela diversidade crítica e porque conheço os autores.


- José Bento dos Santos - Subtilezas Gastronómicas
O melhor livro de gastronomia do ano, simplesmente. E devo dizer que em 2005 editou-se muito, mas muito mesmo, sobre o tema. Foi um luxo. O livro do 100 Maneiras do Ljubomir Stanisic, o do Eleven do Joachim Koeper, o do Na Roça com os Tachos do João Carlos Silva e o do Vitor Sobral, confirmam a qualidade e a diversidade de edições sobre o tema. Contudo, quem goste de comer bem, bem no sentido de com qualidade, tem que ter este livro, até porque o JBS é o maior gourmet português.



Abílio Neto