segunda-feira, maio 08, 2006

A politíca - As Legislativas de 26.Março.2006, a vergonha (IV)




Vergonha e desilusão.

É em momentos como estes que se revelam os homens, sobretudo, os patriotas, e estes não precisam de ser grandes, nem heróis, nem históricos, nem duros, nem corajosos, nem justiceiros, nem ter linhas, basta-lhes ser santomenses, santomenses normais.

Eu detesto o conceito romântico de patriotas, patriotas à antiga, porque normalmente, vai ligado a tipos dados a actos pretensamente heróicos, tipos disponíveis a agir por causas com prémios, mas sem peso, sem medição de risco, tipos mais do que tipos, gigantes, algo antigos, algo que julgo não ser capaz de ser, por desnecessário e suicida e desmedido e emocional, logo, não vejo utilidade disso noutros homens, nem sequer vejo que esse tipo de homens possam verdadeiramente fazer bem a um país, mais quando o (nenhum) país lhes pede tão grande voluntarismo, mais quando, tipos destes têm responsabilidades no país.

Talvez, daí já não conseguir, hoje, ver os filmes com o Errol Flinn, actor que personificava sempre essa espécie de herói, como são os patriotas à antiga, tipos com poder, que assaltam edifícios, não respeitam as leis, pisam as instituições, abusam da sua posição privilegiada, inventam situações estúpidas, porque não sabem inventar outras, e ainda nos pedem para acreditar que agem de boa fé, porque são patriotas ou algo parecido, quando nada, sobretudo o patriotismo, pode justificar o que eles fazem.

Depois de tudo, depois de desrespeitarem tudo, vão mais longe, acham que devem merecer a nossa simpatia, a simpatia das pessoas normais, que não nos revemos neles e nas suas aventuras, porque percebemos o que eles, no seu autismo, nunca percebem que nós percebemos: a causa do herói é a causa do poder. Tanto assim é, que no fim da história, invariavelmente, o herói fica com a mulher mais linda; covardemente, encosta-se ao poder, não o toma; e o Rei, habitualmente, dá-lhes mais poder ainda, como prémio, e tudo termina num aborrecido happy end. Não percebo, hoje, nunca perceberei os filmes do Errol Flinn, que sempre foram de e sobre o poder, o pior poder, o poder.

Por isso, prefiro pensar numa espécie de patriotismo contemporâneo, mais leve, mais versátil, mais diverso, partindo da pessoa, da cidadania, que exige, só, que cada homem goste do seu país, dentre outras coisas, e que olhe para ele de forma viva, compenetrada e objectiva, sem ter que se sacrificar definitivamente por ele, sem ter que ter como suporte dessa relação bandeiras, símbolos, línguas e outras mediações para gostar do sitio onde nasceu.

Eu gosto de São Tomé e Príncipe assim. Normalmente, sem manifestações grandiosas, nem actos heróicos, que o país não me pede. Não gosto de gritar que gosto das minhas ilhas. Não preciso de artifícios para assegurar que gosto. Não gosto do país que tenho visto e que me querem oferecer como sendo o meu, mas que não reconheço, porque não querem que eu e muitos outros que gostamos continuemos a reconhecer.

Eu sou um santomense, claro que sou, se essa mesma pergunta fosse feita aos protagonistas que criaram a situação vergonhosa em que o país esteve depois das eleições, não acredito que, hoje, fossem capazes de responder sem que as palavras não lhes saíssem dubitativas e nervosas, a não ser que já não respeitem o país, nem as suas gentes. De todas as formas, independentemente de darem esse mísero show A Grande Vergonha, eles serão mais patriotas do que eu, afinal são eles os que conseguem montar a tenda e dar o espectáculo, e não eu, que me escondo num voyeurismo intencionalmente neutro e embaraçado.

Hoje, não vale ser irónico, não vale ser cínico e muito menos vale ter raiva ou recordar toda a estupidez passada e presente, o momento pede-nos antes toda razão e razoabilidade para ajudar a ultrapassar o tremendo embaraço em que nos metemos, depois, depois sim, que venha toda a desilusão por termos todos - desta ou daquela maneira, por acção ou por omissão -, contribuído para isso, não é possível dizer que não, mesmo que não se saiba o que fazer, mesmo que nunca se tenha feito nada.

A responsabilidade é nossa, é de todos, assumamo-la, porque um ridículo dessa grandeza, do tamanho do Everest, feito num país de 120.000, só pode ser da responsabilidade de todos, nem que seja para termos todos a noção do que nos falta escalar na montanha da civilidade, por isso, mesmo não tendo nada que ver com os principais intervenientes do show A Grande Vergonha, desta vez, eu assumo, partilhando a pena, por não conseguirmos ser melhores.

Todavia, desde já, deixo claro que, da próxima vez, não assumirei por osmose, não assumirei a não ser que me faça artista, e se tal vier a acontecer, jamais aceitarei entrar em farsas com tão maus artistas, como são os actuais. Ainda bem que não se consegue piorar, porque pior é impossível


Abílio Neto

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