segunda-feira, março 20, 2006

A política - Legislativas de 26.Março.2006 (II)




A insistência do meu amigo não santomense em agendar um outro almoço deixava claro o seu propósito de continuar a conversar sobre política do meu país. Fui adiando, porque não me sinto muito cómodo com o tema.

Espero que passe o frenesim eleitoral em São Tomé e Príncipe para voltarmos a comer juntos e falarmos dos nossos temas recorrentes: futebol, política portuguesa, filmes, cds etc. Todavia, como não sou de evitar temas, por muito incómodos que sejam, a meio da semana passada, lá arranjamos uma data que servisse os dois. E fomos almoçar, no restaurante de sempre, à hora de sempre.

Confirmou-se. Imediatamente após termos escolhido o que haveríamos de comer, uns carapauzinhos com arroz de tomate, e o que haveríamos de beber, um verde, um Alvarinho de gama média, o meu amigo sugeriu:

«Sobre a política no teu país, da outra vez, enunciaste os teus princípios para uma eventual intervenção, epá, entendi algumas coisas, todavia, gostaria que me dissesses qualquer coisa mais, pode ser?»

«Não queres falar sobre o teu Benfica primeiro?»

«Não.»

«OK, apesar de estar seguro que da nossa última conversa se poderia retirar todas as conclusões sobre o meu posicionamento, tinha a certeza que, para ti, não seria suficiente, por isso, cá estamos, não é? Bom, da outra vez, quis que entendesses o que me afasta da vida político-partidária do meu país, agora, sem me esforçar muito, vou tentar ir um pouco mais longe, colocando-me do outro lado, do lado do cidadão normal, daquele que tem que escolher, vou tentar fazer-te perceber quão difícil é optar se, digamos, eu ou qualquer outro cidadão, elegêssemos, como critérios principais para votarmos num partido, a seriedade, a responsabilidade e a transparência.»

Continuei.

«Suponho que fazendo um exercício desse tipo, não se poderá dizer ou pensar que eu seja um pessimista, pois, limito-me a estabelecer simples padrões de escolha, o que todos os cidadãos com direito a voto fazem ou devem fazer antes de irem votar, o que não pressupõe, necessariamente, a criação de um discurso e um plano de acção, releva-se somente a consciência pessoal, nada mais. Sem rodeios, te digo, o partido ou o projecto político que apresente no seu programa um documento, para facilitar, denominemo-lo um Compromisso Ético de Governação (CEG), teria o meu voto e provavelmente, da grande maioria dos Santomenses, desde que o proponente fosse credível.»

«E que consistiria em quê?»

«Em assumir que se ganhasse as eleições os membros do Governo, governariam com lealdade aos princípios morais e ao país, em 1º lugar; 2º, defenderiam a constituição, as leis e os regulamentos e nada fariam que os desrespeitasse; 3º, contribuiriam com as suas melhores ideias e o seu total empenho e esforço no cumprimento dos seus deveres; 4º, para cumprir os objectivos tentariam gerir os bens públicos com eficácia, diligência, pragmatismo e frugalidade; 5º, nunca aceitariam para si ou para familiares ou para amigos favores ou benefícios em circunstâncias que possam ser entendidas por pessoas razoáveis como influenciando a performance do governo; 6º, não fariam promessas pessoais de qualquer espécie no exercício dos seus deveres de governação, porquanto acima da palavra privada está o serviço público; 7º, não negociariam directa ou indirectamente com o Estado, para não colidir com o interesse público; 8º, nunca usariam informação privilegiada resultante da acção governativa para obtenção de benefícios pessoais; 9º, tornariam público qualquer acto de corrupção; por último, preservariam estes princípios, com a consciência de que realizar serviço público é servir os santomenses e os seus interesses.»

«Oh Deus!»

«Oh homem, tranquilo são 10, mas não são mandamentos, não no sentido do Santo Ofício, antes, são standards de conduta que não têm o propósito de proibir, mas sim de distinguir os conflitos menores e inconsequentes, que são normais e inevitáveis numa sociedade livre, dos conflitos substanciais ou materiais que permitem a corrupção e a decadência do poder. As condutas não podem ser regulamentadas, logo, um CEG proporcionaria linhas para enquadrar circunstancialmente a bitola comportamental dos membros de um executivo. O fundamental é transmitir à cidadania a ideia de que se pode governar sendo íntegros, despojados de agendas pessoais, objectivos, responsáveis, abertos, honestos e claros na liderança, por conseguinte, governar em defesa do interesse dos santomenses e com o espírito de serviço público, coisa que ainda não aconteceu na nossa República. É evidente que para o CEG funcionar, é obrigatório que se saiba antecipadamente quem será o 1º ministro, caso o partido ou o projecto que apresente a proposta ganhe as eleições, porque tem que ser um acordo entre ele e os cidadãos cuja razão de ser radica no peso de uma responsabilização política de cunho pessoal, mais ainda, sem exagerar, julgo que os ministros-sombra também devem ser conhecidos, alargando o compromisso e o nível do vínculo.»

«Soundbites!» Exclamou o meu amigo.

«Não, não são. Eu sei no que estás a pensar. Garanto que não resulta de uma atracção por estratégias políticas ou por políticos populistas, como sabes, não tenho esse tipo de fraquezas. A minha opção seria seguramente ideológica, porque, se, hoje, perguntassem aos santomenses o que lhes preocupa verdadeiramente, a resposta seria: como vai ser gerido o dinheiro do petróleo! Na minha perspectiva, responder a principal preocupação de uma sociedade, mesmo que seja uma preocupação circunstancial, exige um esforço ideológico, não tenho dúvidas disso, e se se introduzisse um CEG no debate, quem o fizesse partiria com a vantagem de ter iniciado um outro caminho.»

«E resultaria?»

«Dou-te um exemplo, talvez não seja o melhor, contudo, parece-me eloquente. Lembras-te do Contract With America do Newt Gingrich, o «ridículo» líder do congresso do Partido Republicano? Muito bem, o «Contract», à época, foi uma declaração política alvo de chacota de quase todos os analistas políticos, sobretudo os liberais, que o foram considerando um documento simples, digamos com todas as letras, básico mesmo, sem terem olhado para a América e o Mundo e sem terem lido com atenção a mensagem que subjazia o texto: responder em profundidade e com simplicidade às principais preocupações dos americanos. Equilibrar o orçamento, baixar impostos, cortar nas despesas sociais, restaurar a segurança, militarizar o estado etc. Com pouco mais do que isso, desde 1994, o Partido Republicano tem a maioria no Congresso e no Senado, condicionaram a Administração Clinton, ganharam a Presidência para o Bush Filho, mantendo a maioria nas duas Câmaras, e tornando real e efectivo o Neo-Conservadorismo, que não passava de uma série de enunciados avulsos, disso evoluiu para ideologia e daí para filosofia. Foi esse o resultado.»

«Estamos a falar de direita americana, certo?»

«Errado. Estamos a falar de métodos, de meios e de soluções para problemas. Espera aí, percebi que enfatizaste direita americana? Não me preocupa que a fonte seja a direita e americana, estamos a falar do Partido Conservador, que é uma organização democrática, e estamos a falar dos EUA, que é uma velha democracia, com a qual jovens democracias, como a nossa, têm algo que aprender, tudo, sem complexos, e, tudo, sem problemas em apontar, sempre que necessário, as fraquezas americanas. Voltando aos standards, acho piada a nova bandeira lançada em Janeiro deste ano pelo Partido Democrata, The Declaration of Honest Leadership and Open Government, acho linda a proposta»

«E...»

«Agora, já podes fazer ideia em quem vou votar.»


Abílio Neto

5 comentários:

Abílio Neto disse...

Brassa,

É bom ter a tua reacção. Muito bom mesmo, porque não te ficas, vais...

Claro que os neo-cons trabalharam a sua base teórica (desinteressante sim, mas resultante de um profundo e antigo trabalho de teorização, não estamos a falar de estúpidos), senão seriam totalmente massacrados pela «wishfullthinking» liberal, que, desta vez, teve (e tem tido) problemas em reagir. Não basta gritar contra a guerra do Iraque, não basta gritar contra a estupidez do Bush, não basta gritar contra a globalização neo-liberal, agora, é preciso apresentar alternativas que resolvam, que signifiquem mudança, e aí, meu caro, a esquerda, que até se recusa a ser liberal, não é opção.

Tu estás a tentar-me com o futebol... eu cá tenho algumas ideias sobre o assunto, lá iremos.Mas gostava que algum angolano me explicasse porque é que o Mantorras não é titular nos Palancas e Akwá-Curl é!, e ainda por cima capitão de equipa, como é que uma selecção pode ter como capitão um jogador com aquele penteado?

O Sousa tem-me dado algumas dicas muito porreiras, também tenho que trabalhar nelas, assim como as ideias da minha prima Lavinha!

Abraços,

Abílio Neto

Abílio Neto disse...

Brassa,

Um conselho: nunca ironizes com as selecções nacionais, pois, não sei porquê (e gostava de saber), mas as pessoas são muito sensíveis a isso. Imagina só se um angolano lê-se o teu comentário! Bem, esquece, não é muito provável que um angolano leia este blog, pela simples razão de não se pagar para o fazer.

Percebo a tua crítica ao CEG, mas tens que entender que é muito difícil legislar sobre comportamentos, diria mais, é impossível, a não ser em regimes ditatoriais, e sabes porquê?, porque normalmente levantam questões de innstitucionalidade, tecnicamente, é muito complexo, por causa da discricionaridade dos actos políticos, da amplitude dos direitos pessoais e de património, e também pela complexidade de produção provas. Contudo, sou defensor de uma Lei de Transparência (LT), que juntaria numa mesma norma as Incompatibilidades, a Corrupção Política etc.

As Comissões, por Deus! Sabes que o n/ Parlamento funciona com base numa Comissão Permanente? Não lhes peças capacidade física e técnica e de trabalho para dar conta da quantidade de tudo o que teriam que debruçar sobre.

Penso que os decisores devem contribuir impondo o seu próprio standard, é isso que diferencia os maus dos bons políticos. Quem decide, deve escolher como e o que quer decidir.

A esquerda e o Iraque. Antes de considerar os «excelentes argumentos» da esquerda contra a guerra do Iraque, teria que pedir a esquerda que de uma vez por todas deixasse de arranjar eufemismos para as ditaduras, a esquerda a que te referes, normalmente chama as ditaduras «regimes de partido único», eu chamo-os ditaduras.

Abraços,

Abílio Neto

Abílio Neto disse...

Caro,

Errata 2º paragrafo: innstitucionalidade = inconstitucionalidade

Os outros são irrelevantes!

Abraços,

Abílio Neto

Abílio Neto disse...

Caro Brassa,

Percebi perfeitamente o teu texto. A minha crítica a linguagem pleonasmica de «alguma esquerda» não se referia a ti particularmente, sei que consegues ir para lá desses desses truques de discurso. E sei também que viveste numa ditadura, porque vivemo-la juntos.

Quanto ao resto, gostei muito que Lula tivesse ganho as eleições, mas agora apetece-me que ele seja derrotado, para castigar a sua inaptidão. O homem estabeleceu o seu standard e não foi capaz de o manter, deve ser castigado. O pior é que a oposição é pior, o que me coloca numa posição aborrecida, de dúvida.

Oh Brassa, entende que grande parte das decisões políticas são discricionárias, resultam do arbítrio, p/ ex., saber quando uma decisão lesa o estado ou quando beneficia o político pessoalmente, é difícil. Há casos flagrantes, esses não se discutem. O problema são os casos limite, que são maioria. Eu não quero particularizar, por isso julgo que, para começar, a mudança de atitude tem que ser da iniciativa de políticos que qeiram mudar. E sem políticos que queiram mudar, não se muda nada.

Abraços,

Abílio Neto

Abílio Neto disse...

Olá,

Sabes, e vou torná-lo público, que deves publicar as tuas «coisas», tens que fazê-lo.

Não sendo muito de poesia, terei toda a minha reforma para lê-la e tentar entendê-la, é um meu compromisso pessoal, respondo-te:

«Quando o luar Caíu
Quando o luar caiu
Quando o luar caiu e
tingiu de escuro os verdes da ilha
cheguei, mas tu já não eras.»

Sampler de um poema da São Deus Lima.

Voltaremos a ser.

Abraços,

Abílio Neto