segunda-feira, março 20, 2006

O vinho - Clos Ste Hune Riesling FE Trimbach 1997




Nunca sei o que responder às pessoas que me perguntam: «o que tem o vinho de tão especial?» Eu até entendo o sentido da pergunta. É suposto o vinho «servir» para embriagar, isso mesmo, embebedar!, e é verdade que tem essa componente funcional, que, muitas vezes, para alguns, é bastante desagradável, pode viciar e destruir, mas que, outras vezes, para outros, é bastante agradável, pode desinibir e libertar e tal e coisa. Normalmente, fica-se por essa dimensão curta do vinho.

Pois bem, eu prefiro entender o mundo vínico como cultural e como formador de gosto, sem diminuir, com certeza, a componente hedonista, a que obrigatoriamente está associado, mas sobre a qual não me apetece reflectir. Fico-me pelas outras duas, a cultural e a da formação do gosto.

Gosto de pensar, como uma personagem do Sideways (aconselho visionamento em DVD, um dia voltarei ao filme) de Alexander Payne, Maya, interpretada elegantemente por Virginia Madsen, que «dentro da cada garrafa de vinho existe uma vida». Puro acerto, também penso que o que me atrai no mundo dos vinhos é o imponderável, o imprevisível e o, invariavelmente, incerto que significa abrir uma garrafa de vinho. Refiro-me a vinhos que podem surpreender, os bons, os melhores, porque bem feitos, o que não significa, necessariamente, os mais caros.

E mais digo, também me agrada o ritual que antecede a abertura da garrafa de vinho, senão vejamos os passos básicos: os cuidados a ter com a temperatura da botella e do ambiente; saber se o vinho deve ou não ser decantado (porque, do meu ponto de vista, todos devem ser sempre «areados», pelo menos 15 minutos antes de serem bebidos); tratar de ter bons instrumentos, um bom termómetro, um bom saca-rolhas e um bom anti-pigos, no mínimo; ter copos adequados ou adaptáveis para o vinho escolhido; e sobretudo, eleger bem o que comer para casar com o vinho seleccionado, ou vice-versa. O ritual é muito elegante e tem toques de finesse extrema, o que pode até parecer pedante, mas não é assim, é mesmo um conjunto de actos que devem ser cumpridos para se beber uma garrafa de vinho em condições razoáveis, potenciando todas as suas características.

Como é evidente, para que isto se optimize, não basta o procedimento, exige-se que haja algum conhecimento de vinhos, dos terroir, das regiões, das castas, da «construção», da evolução em barrica ou em garrafa, do perfil do produtor e do enólogo etc., o que dá trabalho, obriga a investigar e a informar-se, enfim, obriga a estudo e dedicação e, finalmente, obriga a muita prova disciplinada. No fundo, é preciso ter disponibilidade para isso.

Resumindo, nada do acima faz sentido quando não se sabe que um copo de vinho se pega pela haste e não pela copa, o que tem tudo que ver com saber estar e comportar-se, nada que se ensine em Universidades.

Isto, à propósito da minha última grande experiência com um vinho branco. (Estou a descobrir brancos). Um Riesling Alsaciano. Uma preciosidade. O Clos Ste Hune Riesling FE Trimbach 1997. Estou a falar de um branco de 1997, com quase 10 anos, que se mantém em plena forma, na cor, dourado brilhante com tons esverdeados, e na boca, minerais que, após oxigenação (convêm ir virando o vinho no copo para ele ir entrando em contacto com o oxigénio), vai se libertando a fruta. O mais impressionante é o nariz, que na prova como na cara, fica entre o olho e a boca, o aroma primário é «apetrolado», sim, um vinho que cheira à petróleo, mas que com a oxigenação vai ganhando outros aromas secundários, florais e terciários, frutas. Divinal, que experiência!

O vinho foi servido em acomodação com uma sopa rica de peixe num magnífico jantar na York House, nas Janelas Verdes em Lisboa, com a garantia do excelente serviço proporcionado pelo grande gourmet e excelso recebedor que é o José Tomáz de Mello Breyner.
PS: O rótulo da foto refere-se a garrafa de 1995, que é quase igual a de 1997. Não consegui postar a foto.


Abílio Neto

2 comentários:

Abílio Neto disse...

Olá,

Este blog não pode ser outra coisa que não um balão de oxigénio, faz falta respirar, e na minha perspectiva, nada melhor do que ir respirando e ir subindo, pondo sempre a fasquia mais alta.

Prometi-me que aqui no blog só falaria das minhas experiências vínicas excepcionais, porque se fosse a falar de vinhos e do seu mundo com regularidade, fugiria do meu propósito principal: comunicar com o máximo de pessoas, mas, sobretudo, com as que eu conheço e que sei poderem manter diálogos públicos com interesse.

De qualquer forma, o vinho, assim como a gastronomia, estarão sempre presentes. Também poderia falar dos meus Partagas, os charutos da minha preferência, ou dos Puritos Reig, as cigarrilhas que eu gosto, mas já seria excessivo comunicar tanto prazer pessoal. Ah, quanto a gastronomia, não me coibirei de, algumas vezes, escrever sobre azeites, ervas aromáticas, queijos, cafés, sal etc.

Obrigado pela tua visita, ela é importante para mim, é um grande estímulo.

Abraços,

Abílio Neto

Abílio Neto disse...

Caro Cassandra,

Digo-te, à falta de melhor e mais intervenção, cabe-nos a tarefa de ir fazendo coisas modestas para contribuir. É uma obrigação e julgo, enquanto não me provarem o contrário, o que será muito difícil, que a criação e solidificação da sociedade civil (santomense) passa por esses pequenos statements pessoais.

Desde já, recomendo a leitura do teu blog à todas pessoas que visitem o meu, para que se entenda que existem milhares de vozes santomenses, para lá da imagem única de São Tomé e Príncipe que alguns santomenses querem dar do país.

Obrigado pela tua visita que muito honra e que espero contante e oportuna.

Abraços,

Abílio Neto