sexta-feira, março 31, 2006

A política - As Legislativas de 26.Março.2006, os 9622 (III)




Antes de conhecer os resultados definitivos e depois de ler e ouvir análises atrás de análises – como tudo, algumas muito boas e outras muito más -, sobre as eleições legislativas de São Tomé e Príncipe, posso dizer com segurança que existe uma certeza: os 9622 eleitores que participaram dos boicotes ganharam as eleições, porque com o seu acto conseguiram fazer toda a diferença.

Honestamente, no período pré-eleitoral, enquanto foram sendo anunciados os diversos boicotes, não fui capaz de ver para além das motivações que iam sendo anarquicamente anunciadas, não fui suficientemente perspicaz para tentar colocar-me na pele daqueles rostos angustiados que via na televisão, tão habituado estou de ver rostos angustiados nos noticiários, nem sequer tive a valentia para acreditar que aquela gente pedia que fosse levada a sério, estupidamente, não soube interpretar, deixei-me ir.

Normalmente, existe um preconceito relativamente aos boicotes anunciados nos períodos pré-eleitorais, normalmente, fica-se com a sensação que as populações optam oportunistamente por, nessa altura, pedirem o impossível, arriscando, muitas das vezes, a colocar-se fora do sistema, sistema sem aspas. Ora, jogando com essa sensação, normalmente, alguns políticos que necessitam de votos, fazem crer, que reivindicar, nessa altura, não é de pessoas sérias, sério seria fazê-lo antes ou calar-se para depois, esvaziando, deste modo, o conteúdo da mensagem de quem reivindica; outros políticos, que também necessitam de votos, fazem «melhor», dirigem-se a população reivindicadora e prometem-lhes resolver o problema mal cheguem ao poder, assim, julgam conseguir dar conteúdo as suas próprias mensagens, atendendo a voz de outros e suprindo a ausência total de ideias dos seus discursos. E o mais grave desse jogo é que os media, normalmente, amplificam a sensação, opondo a imagem simpática e próxima do político em campanha à imagem furiosa, desesperada, antipática e violenta de quem reivindica.

E eu fui nisso. E fui mal. Fui, porque tenho um preconceito assumido relativamente ao «povo», que, normalmente, considero uma massa amorfa e insípida, dentro da qual cada um de nós esconde toda a sua estupidez, logo, a soma directa de todas as estupidezes só pode ser igual a uma unidade pouco brilhante.

Hoje, admitindo que em alguns casos poderá mesmo ser assim, estou convicto que neste não, não no dos boicoteadores das eleições legislativas de 26 de Março de 2006 em São Tomé e Príncipe.

Os 9622 são 9622 santomenses conscientes e dignos que tiveram a coragem de dizer «não, basta!», são especiais porque poderiam optar por fazer como fizeram quase todos os outros, receber algum dinheiro ou algumas coisas, resolvendo alguns problemas instantâneos, e votar tranquilamente. Os 9622 santomenses que fizeram os boicotes, excepcionalmente, quiseram dizer-nos que estão mesmo interessados em ver os seus problemas comunitários resolvidos. Os 9622, simplesmente, deixaram em evidência que as suas reivindicações são reivindicações de todo o país. Os 9622 quiseram, silenciosamente, também, dizer aos políticos que gastar $ 50,00 (versão mínima) com cada um deles significa gastar $ 482.600,00 no total e que esse valor seria melhor empregue se oferecido, por exemplo, para financiar um fundo de complemento alimentar das escolas primárias do país, o que daria para 321.733 refeições, se cada refeição custasse em média $ 1,50 (segundo relatórios da FAO, valor médio de uma refeição equilibrada para uma criança) ou, em alternativa, gastar esse capital a resolver os seu problemas em tempo útil. Os 9622, subtilmente, quiseram dizer, ainda, que o problema que eles criaram é bem diferente do de Folha Fede, que foi entendido como um mero incidente de um processo, agora, não estamos a falar de um facto anómalo, estamos perante uma tendência social que deve ser levada muito à sério, sob o risco de nas próximas eleições termos o país todo em boicote.

Os 9622 santomenses não são estúpidos como nos quiseram fazer crer, os estúpidos são outros, em número bem menor que 9622, que não vão reflectir nas nuances e que vão tentar resolver o problema, intuo, com a criatividade que se lhes reconhece, oferecendo mais dinheiro hoje, no Sábado e no Domingo.

Passo a palavra aos políticos.
Abílio Neto

1 comentário:

Abílio Neto disse...

Olá,

Só posso agradecer o contudente e muito claro comentário que acabei de ler. Em nada merece a minha discordância, apesar de julgar que, em paralelo, convem perceber algo muito simples: os políticos santomenses de poder são políticos fracos, porque não têm pensamento e quem quer ser político, hoje, sem pensamento não pode ser levado à sério, ao contrário do que se julga, estamos na época do pensamento político. É preciso ter uma ideia do país que se pretende, das estratégias para chegar lá e tudo o resto é dar espaço a sociedade, que ela faz o resto, se os maus políticos não perderem a mania de impor os seus maus hábitos e a sua incapacidade para trabalhar, governar e gerir. Parece-me óbvio que o drama é simples, a proposta deles é esta: «se não sei governar, se não consigo brilhar, desgoverno e beneficio-me disso».

Abraços,

Abílio Neto