sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O livro – Gramsci: Cultura e Antropologia, Kate Crehan




Volto a minha postura habitual: não comento, nem analiso livros, deixo-os falar por si.

Neste caso, tive que me conter, pois, trata-se de uma obra sobre Antonio Gramsci, um autor que me atrai particularmente, mais pela influência e projecção actual da sua obra, que pela obra em si, que não sendo datada, reconheça-se, tem muitos dos tiques do seu tempo, nomeadamente, os marxistas.

Contudo, a componente cultural e estritamente intelectual mantem uma actualidade impressionante. Estamos em presença do criador dos conceitos Sociedade Civil, Intelectual Orgânico, Hegemonia e o influenciador fundacional da Cultural Studies e da Subaltern Studies. Para mim, Gramsci é um fétiche.

Sobre a autora, Kate Crehan, não há muito a dizer, é de esquerda, da esquerda que eu não frequento, mas, pela experiência desta obra, reconheço-lhe, à ela, bom gosto, clareza e lucidez.

Outras obras da autora, não editadas em Portugal, nem traduzidas, mas que podem interessar:

- The Fractured Community: Landscapes of Power and Gender in Rural Zambia;
- A Vague Passion for a Vague Proletarian Culture.

Aqui vão as minhas citações:

- «Paradoxalmente, o novo, por mais revolucionário que possa ser na realidade, tem de (se quiser ser inteligível) exprimir-se, pelo menos, inicialmente, na linguagem e conceitos existentes. Gramsci, que sempre se preocupou em tornar as suas ideias tão acessíveis quanto possível, adoptou muitas vezes uma estratégia: tomar um termo existente e, por assim dizer, moldá-lo e subverter mesmo o seu significado.»

- «Se uma ideia for partilhada por bastantes pessoas, torna-se, por assim dizer, material. L’Ordine Nuovo ostentava no se cabeçalho a palavra de ordem «pessimismo do intelecto, optimismo da vontade».(...) Esta transformação das ideias e crenças em «forças materiais» capazes de actuar na história pode ser descrita de outra forma: como se dá a sua circulação para lá de um grupo limitado de intelectuais, ao ponto de passarem a fazer parte de uma cultura geral.»

- «Segundo Gramsci, o povo subordinado pode ser capaz de ver muito claramente o pequeno vale que habita, mas continua incapaz de ver para lá dos limites do vale e de compreender como o seu pequeno mundo se encaixa no outro mundo mais vasto que fica para lá dele. As reflexões de Gramsci sobre a cultura subordinada partem do pressuposto de que ela não consegue produzir movimentos políticos eficazes, genuinamente transformadores.(...) O essencial aqui é que, porque o marxismo representa «a concepção de um grupo subordinado», não pode avançar para lá de um certo nível.»

- «Os intelectuais orgânicos de um grupo, os que articulam e sistematizam a sua concepção do mundo, são cruciais para a liderança pela persuasão. No entanto, não é fácil criar esses intelectuais e gerar, o que é na essência, uma nova «cultura».(...) Este contínuo movimento entre intelectuais e «simples» é central na análise de Gramsci ao problema como surgem as culturas e se reproduzem.»

- «Uma tarefa crucial para qualquer nova classe em luta para fazer surgir os seus próprios intelectuais orgânicos é conquistar e assimilar os intelectuais tradicionais existentes.»

- «Para Gramsci, a mola real da cultura não é a economia; é, em última análise, a história.(...) Por outras palavras, Gramsci deixa de lado toda a hierarquia base / superestrutura. Uma consequência disto é que a questão de saber se a «cultura» em geral faz parte da superestrutura ou da base torna-se inútil. A «cultura» de uma sociedade, para Gramsci, consiste nesse amontoado heterogéneo de detritos depositados pela história – com certos elementos encaixando-se entre si e outros não – dos quais só faz sentido falar em relação a fenomenos culturais específicos, em contextos históricos específicos.»

In, Gramsci cultura e antropologia, Kate Crehan, Campo da Comunicação.
Nota: A foto usada não corresponde a foto da capa da edição portuguesa.

Abílio Neto

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