quarta-feira, maio 30, 2007

A música - Álibi, Maria Betânia




Chega o verão, chegam mil dúvidas, deve ser do calor. A maior das dúvidas, que tem muito que ver com o criar de disposição para aguentar o sol e a excitada estupidez que passa a marcar ambientes e pessoas: o que é que eu vou ouvir?

Eu já me decidi. Boleros. Optei por passar o verão assim, a ouvir música lenta, bem lenta, mas com ritmo, para dançar, feita para ambientes canalhas e nocturnos, carregada de dramas e de verdades e cheia de mentiras e traições, sempre, em absoluto, canções cantadas por mulheres. Tudo simples, tudo longe do tango.

Sei que o sol dos boleros - é mais um sol do inverno ou um sol dos trópicos, um sol que faz mesmo falta, um sol essencial - , não trasmite a mesma luz que o sol do verão europeu - sol excessivo e desnecessário -, mesmo assim, vou correr o risco.

Infelizmente, já não há muitas boleristas puras, o que dificulta a aquisição de novos cds, contudo, felizmente, ainda há duas grandes cantoras de boleros vivas: Chavela Vargas e Omara Portuondo. Qualquer uma delas, grande cultora do bolero filin, todo ele sentimento, jazz e feeling. Mas, para mim, já não são opção, de tanto ouvir, Cansei de Omara Portuondo (COP) e Cansei de Chavela Vargas (CVV), curiosamente, boas siglas para bandas pop.

E depois, há uma outra grande cantora de boleros , que sendo improvável, é-o, Maria Betânia.
Nesta fase, tenho estado a ouvir o «Álibi», extraordinário álbum de 1978. O Meu Amor e Negue são dois boleros do outro mundo, a carga melodrámitica como a Betânia as interpreta eleva estas 2 canções aos pincaros, o tempo fez o resto, clássicos.
Abílio Neto

quinta-feira, maio 17, 2007

O almoço - Quinta de Catralvos








Num destes sábados, 28 de Abril, para comemorar alguns anos de casado, fui, fomos, eu mais a querida esposa, homenagearmo-nos, almoçando na Quinta de Catralvos, Restaurante Catralvos, em Azeitão.

Para muitos, crítica, gourmets e meros entendidos, é o melhor restaurante de Portugal. Não sei se é, porque ainda tenho que conhecer muitos outros, sobretudo, aqueles bem referenciados, alguns que até têm Estrelas Michelin.

(O que posso dizer sobre Catralvos é que na revista de fim-de-semana do El Mundo, La Luna de Metropolis, o consideraram, em destaque, o melhor restaurante de Portugal. A partir daí, é só ler a crítica portuguesa, ler a forma entusiasmada com que o melhor crítico português, o Duarte Calvão fala dele.)

O Chef.

Para mim, Luís Baena é o mais excitante e criativo chef português cuja obra conheço - e conheço a obra de alguns -, mas também esclareço que «o mais excitante e criativo» é um eufemismo atrevido para dizer, o melhor! O 1º contacto que tive com a sua cozinha foi numa tarde, muito peculiar, exclusivamente dedicada a Degustação de Comida e Azeites, e, desde esse momento, fiquei fã, fã incondicional.

A sua cozinha.

Trata-se de uma cozinha de choque, chegando mesmo a ser inventiva, irónica, pós-moderna, porque não – preste-se atenção aos nomes dos pratos -, a que muitos, por afinidades com o que faz Ferran Adriá no El Bulli, consideram ser «Cozinha Molecular», um conceito difícil e muito mal visto por sectores mais tradicionalistas na gastronomia.

Apesar do nome algo apocalíptico, «Cozinha Molecular» mais não é que o aproveitamento dos avanços técnico-científicos postos a disposição de chefs cuja capacidade de sonhar transborda os limites e as fronteiras do tradicional. Por exemplo, por via disso, melhoraram-se as técnicas de cocção (coze-se a baixas temperaturas e durante horas, a carne pode ser cozida em 18 horas, conservando todas as suas qualidades aromáticas e de sabor, o que a torna mais gelatinosa, quase que se desfaz na boca) e de conservação dos alimentos (a utilização da conservação em vácuo); «descobriram-se» novos produtos (algas, plantas aromáticas etc.) e novas utilizações para os conhecidos (agentes gelificantes, esferificações, espumas etc.); e utilizam-se novos instrumentos (sifões, fornos de precisão etc.).

Não perco tempo em explicar o conceito, garanto que não tem nada de mais, trata-se de tornar contemporânea a haute cuisine, de resto, como sempre, os produtos têm que ser bons - se possível de 1ªssima qualidade e admitem-se produtos de todas as geografias, lá está, só possível na pós-modernidade -, a técnica culinária tem que ser apuradíssima - se possível, deve-se dominar a química, a biologia, várias escolas, várias culinárias e diversas tendências, em espírito de fusão, lá está, a desconstrução - e a apresentação dos pratos tem que estar a altura, exigindo o melhor de todos os sentidos - se possível, tem mesmo que ser espectacular ou radicalmente minimalista, lá está, o pós-modernismo, uma vez mais.

O restaurante.

Espaço muito aprazível, uma quinta para os lados de Azeitão, cujo restaurante está integrado num complexo de edifícios, bem adaptado a bucólica paisagem de árvores e vinhedos.

A sala tem muito boa entrada de luz, janelas altas; decoração subtil e elegante (sem overdose de desenho, mas não tão despida como uma coelhinha da playboy), cadeiras confortáveis e as mesas bem distribuídas, nada de atropelos e de conversas cruzadas. Ao fundo, o melhor chill-out.

Serviço muito bom, eficaz, tranquilo e atento.

Tudo ao serviço das emoções a transmitir pela comida. Foram 3:30 horas.

A comida.

Encheu-me completa e literalmente as medidas, pudera, optamos por fazer o Menu Degustação do Chef, cerca de 20 propostas, que passaram com calma pela nossa mesa e que degustamos, despertando a atenção de todos os nossos sentidos, porque o momento assim o pedia.

Aqui vão:

Couvert
4 molhos para rapar, sem talheres, por favor com pão
Mcsilva
Otedogue com Salsicha de mexilhão com molho de couve lombarda
Cogumelos grelhados com presunto de barrancos e ovo de codorniz
Shot de navalheiras com Ouriço
Capuccino de Espargos e Milho
Dim sum de Bacalhau com puré de alho assado
Sandwiche de Linguado com tomate confitado
Bola de Berlim com Creme de Santola panada com mexilhão e carabineiros
Sorvete de espuma de baunilha mergulhada em azoto
Migas de trufa branca
Burra assada com têmpora de Curgete
Coxas de codorniz com puré de Lentilhas
Risotto de cogumelos com foie gras e ananás de Açores
Escalope de Foie Gras com marmelo e telha de figo
Gauffre de ervas com queijo de azeitão, praliné de amendoa e compota de abobora
Genoise de chocolate
Parfait de pistaccio
Desconstrução conventual, macarrons de encharcada, toucinho-do-céu e barriga de freira

Os destaques:

- Couvert (óptimo pão de trigo e extraordinário azeite de Torres Vedras de baixa acidez)

- Capuccino de Espargos e Milho (para os amantes de espumas, elevada a categoria de gastronomia);

- Shot de Navalheiras com Ouriço (só de cheirar a capa do ouriço, fui a Praia Emília... em São Tomé);

- Dim Sum de Bacalhau (sentia-se a massa e depois o recheio - o bacalhau e as ervas...);

- Gauffre de Ervas com Queijo de Azeitão (estupenda combinação, para além da tradicional queijo / compota, com o sabor de simples waffle de ervas no meio, atenuando o impacto dos quase extremos);

- Sandwich de Linguado com Tomate Confitado (muito simples e muito bom);

- Risotto de cogumelos com foie gras e ananás de Açores (um festival de sabores da terra);

- Burra assada com têmpora de Curgete (a carne assada a baixa temperatura, em 18 horas!).

Ora, se isto não é grande cozinha...? E se isto não é enorme cozinha portuguesa...? Mais, se isto não pós- moderno…? Agora, de tradicional, nada!

Realmente só lhe falta a tal garrafeira, uma grande garrafeira, pois, aqui bebem-se basicamente vinhos produzidos na Quinta e alguns exemplares da Península de Setúbal. Optei por acompanhar com Monte da Charca Branco, Lisa Rosé e Marquês de Lavradio Tinto e para o foie gras uma espécie de abafado de Moscatel só produzido para consumo interno e que me surprendeu, pela parecença com alguns Colheitas Tardia.

Ainda tivemos tempo para provar uma das experiências que, segundo o Luís Baena, deverá aparecer brevemente nas propostas de Catralvos, o spaghetti de... moscatel, que pinta tem a coisa! E o Chef ainda nos confidenciou estar a pensar em criar um Menu para se comer sem talheres, só com as mãos!

Antes de escrever o que seja, devia ter agradecido ao Luís Baena, o chef, uma pessoa incrivelmente simples e elegante no trato - o que diz muito sobre a sua postura e a sua arte -, e também agradecer a sua equipa pela atenção e saber receber, antes de qualquer consideração, insisto, muito obrigado.


Abílio Neto

sexta-feira, maio 04, 2007

O balanço - O meu único Hip Hop de 2006




O meu único Hip Hop.

- Outkast – Idlewild

Único. Podia pôr aqui Common, os Jurassic 5 ou Nas ou T.I., mas não, sendo bons, continuam iguais. Por isso e porque me soam muito pior que o último album dos O, nem sequer consegui ouvi-los mais do que uma vez.

Tenho vontade de ouvir Andre – 3000 – Benjamin a solo.


Idlewild merece destaque, ainda o oiço. Representa, na minha perspectiva, o fim de uma era, é o fim do Hip Hop criativo e rompedor. É preciso avançar, eles sabem, e as pistas estão quase todas aqui e algumas noutros sitios.

A recriação subliminar em N2U de The Rain, do Oran Juice Jones é o cúmulo da street elegância. Ninguém me consegue convencer que este é um album menor quando tem canções como Peaches e Morris Brown, pode ser «menor» para os O, mas nunca para outros, que são quase todos.


Abílio Neto

PS: o Balanço de 2006 segue enquanto o ano fiscal continua...