Château Montrose Grand Cru Classé 2 eme. Um Bordéus. Um Médoc. Um Saint Estéphe de 1989. Provavelmente, dos melhores vinhos tintos que alguma vez bebi.
Quando se fala de alguns vinhos, convem utilizar a linguagem do futebol - há futebol da distrital e há futebol da Champions -, e o Montrose, se se quiser comparar bem, é um vinho «Gálatico», é um Zidane dos vinhos, até com as suas cabeçadas.
Durante uma tarde de Janeiro, deste ano, na York House, exclusivamente dedicada ao gourmetismo - uma prova de comida organizada pela Paulina Mata (uma autoridade em cozinha molecular e uma apoixanada pela gastromia) e pelo chef Luís Baena (dono da cozinha daquele que, para muitos insuspeitos, é o melhor restaurante de Portugal, o Quinta de Catralvos) e uma de azeites organizada pelo casal Margarida e Paulo Rodrigues (grandes apreciadores e divulgadores dos prazeres gourmand) -, que terminou num descontraído jantar em grupo, foi nesse momento, tive o privilégio de, pela 1ª vez, ter bebido um Montrose.
Estou a falar de um exemplar de 1989.
Em condições normais, tratar-se-ia de um vinho a caminho do declínio, pelos anos em garrafa. Mas nada disso. Após 2 horas de aereação em decantador, foi servido.
Mal me serviram, levantei o copo, olhei e encontrei-o vivo, vermelho, com algum rebordo atijolado, por certo, mas límpido. Agitei, e vi as lagrimas cairem lentas e vigorosas. Continuei a olhar. Tinha que observar, quase espiar, antes de o levar ao nariz. Respirei, olhando para os restantes convivas, todos especialistas, uns da Revista de Vinhos, outros críticos renomados, outros produtores de vinhos, outros donos de garrafeiras selectas, outros ainda grandes gourmets, o menos de todos, eu.
Até que a pergunta surgiu da boca do Paulo Rodrigues, a quem tenho que agradecer a oferta do momento, foi ele quem levou a garrafa: «alguém consegue chegar lá?».
Disse baixinho e atrevidamente à Angela, não o podia fazer de outra forma: «é um Bordéus, um Médoc...». E só provei um Médoc uma única vez, um 1997!
Respirei outra vez. E levei o copo ao nariz. Juro que se não soubesse, diria que o vinho estava podre, tal era a profusão de aromas terciários, os que crescem com o envelhecimento, o cheiro a couro, a estrebaria. Respirei fundo, agitei outra vez e voltei a cheirar, e começou a aparecer, por detrás do murro dos «maus» aromas, a fruta, a frescura dos frutos silvestres e a complexidade das especiarias.
Finalmente, bebi. Um pequeno gole e a quase perfeição entrou e veio-me a cabeça, a elegância, o equilíbrio e a impossibilidade de ter o alcóol bem integrado, bem dentro da fruta, como um todo, um Tom & Jerry em estado líquido.
Voltei a agitar.
«É o Montrose...», disse o Paulo. Não foi preciso mais. Muitos de nós ficamos lá perto. E fomos confessando sobre as nossas especulações.
3 horas depois, perto do final do jantar, ainda tinha um pouco do vinho, voltei a fazer tudo o que fiz no início, e teimosamente, mantinha-se elegante, equilibrado e impossivelmente delicioso, como se o tivessem acabado de servir.
Abílio Neto