quarta-feira, maio 31, 2006

A política - As Legislativas de 26.Março.2006, os vencedores (II)





(continuação)
Agora, a análise factual, repito, simples análise.

1 - A ADI, segundo se sabe, exigiu, para começar a negociar uma eventual entrada no governo – para tornar possível a constituição de uma maioria absoluta - , que o 1º ministro fosse indicado por si e que não houvesse qualquer acordo quanto a pré-designação de uma candidatura presidencial única, escandaloso e arrogante, exclamou-se em STeP e na diáspora (detesto a palavra, adoro o conceito); bem proposto, penso eu. Desse modo, a sua direcção deixou claro que não tinha, nem tem, qualquer interesse em arriscar uma ida para um governo já, apostando tudo em ganhar, o que houver para ganhar, depois.

Na minha perspectiva, em política, a paciência pode ser, definitivamente, uma boa conselheira, o que não sei é se a estratégia da ADI resulta de uma análise racional da realidade política actual, ou se se trata de mero amuo entre personalidades, com sede de se posicionar, para um acerto de contas à curto prazo.

De qualquer forma, seja qual for a motivação do Patrice Trovoada, não vejo que o seu objectivo possa vir a ser realizável com sucesso se a muito curto prazo não souber recuperar alguns activos humanos perdidos estupidamente pelo seu partido e se não souber actuar com vigor e sedução em relação aos muitos anticorpos que foi criando na sociedade santomense. A ADI não crescerá no futuro se continuar a ser uma força política de simpatias e laços, se não souber redimensionar a sua base de apoio e se não souber ser um partido aberto e com ideias, é que em política está tudo inventado, mesmo em STeP.

Mais agora, quando, pelas circunstâncias, a realidade política santomense parece querer propor uma bipolarização. Por pragmatismo, deverá caber à ADI contra-propor uma tripolarização, se quiser crescer, não tem outra opção.

Se se está na oposição, e não se tem uma profunda base popular, não é suficiente ter-se capacidade financeira – por regra, nunca se terá mais do que o partido no governo - para fazer um bom percurso até as seguintes eleições; é preciso estar todos os dias em campanha para passar a mensagem, é bom que ela exista; é preciso insistir no apontar de caminhos; é preciso fazer crer que se é alternativa; é preciso explicar como se faria se estivesse no governo e, finalmente, é preciso ter rostos (e não um rosto) que assumam a estratégia. E a ADI não tem nada disso, hoje, é um partido esvaziado e vazio. O que até pode ser uma vantagem, claro está, caso o seu líder seja capaz de encher o partido de conteúdo, e aí, talvez a estratégia de vir a ser um vencedor depois possa ter possibilidades, mas, honestamente, tenho sérias dúvidas que isso venha a acontecer, temo que Patrice Trovoada nunca entenderá que a aproximação aos activos humanos perdidos e a abordagem aos anticorpos criados não terá necessariamente que ser feita por ele, aliás, nunca poderá ser feita por ele, tem que ser feita por um mediador, um player, uma figura distante do actual meio político santomense, com capacidade negocial e de dialogo, com carisma e curriculum, com credibilidade interna e externa, alguém que signifique novidade e que consiga surpreender.

Patrice Trovoada, até agora, deu mostras de ser esperto muitas vezes - e espertalhão outras vezes - , chegou a hora de mostrar também inteligência, para isso, saberá ou deverá saber que o perfil de mediador que acabei de descrever, e de que o seu partido necessitará para crescer e ser um vencedor depois, existe de facto e não está assim tão longe e distante dele, do líder da ADI.

2 – O PCD governa e a tendência é para governar mais. É obrigatório não esquecer que estamos perante um partido que, há muito pouco tempo, estava condenado a desaparecer. Sem muitos históricos, eu os consideraria histriónicos; sem futuro, eu diria sem um duro; sem nada, eu, vernaculamente, diria que quando governaram só fizeram «cagada», aí está. Enfim, passou de ser um partido simpático e com uma muita boa base de apoio, a ser um partido desconsiderado e mal visto, uma espécie de Michael Jackson da política santomense.

No entanto, aí está, no governo e pleno de influência. Como é que isso foi possível? Muito fácil de perceber: são eles que estão a propor a bipolarização ou a tripolarização à realidade política santomense. Não sei se resulta de uma estratégia ou se resulta do instinto de sobrevivência, mas, de facto, o PCD, não sendo um partido personalista, como são todos os outros partidos santomenses, consegue mover-se melhor entre interesses, sem que a sua posição se torne obviamente incomoda, pois, não está vinculado a um centro, mas à uma miríade de centros, que podem flutuar e que o equilibram, livrando as suas diversas figuras de desgastes pessoais centrifugadores.

E é nessa sua característica, de único partido verdadeiramente centrista (centro social e não ideológico, porque este não existe em STeP) santomense, que se tem «agarrado» para liderar o que me parece fundamental na política do país: politizar a política, marcar a agenda, tornando o debate sério, resumindo, polarizar. É fundamental polarizar para tornar as propostas políticas distintas e diferenciáveis, permitindo, assim e finalmente, que se faça política em STeP sem a habitual cortina de ruído que só serve para ocultar a falta de ideias, de pensamento, de competência e de elegância.

Há tempos, quando foi anunciada a coligação do PCD com o MDFM intui que a conjuntura política de STeP mudaria substancialmente, e não me enganei. Na altura, viu-se com maus olhos essa aproximação, que, para muitos, foi entendida, e continua a ser mal entendida, como mera caça ao dinheiro para sobreviver de uma parte do PCD. Agora, já se sabe que é mais do que isso, foi uma estratégia de poder.

Na minha visão minimalista da política, achei bem que os dois partidos se unissem, é sempre um partido menos, e vou antecipando, o que ainda não aconteceu, mas que vai acontecer, à muito curto prazo, a fusão dos dois, talvez sob a sigla Convergência para Mudança Democrática. E não tenho grandes dúvidas que o principal promotor dessa iniciativa será o PCD. Não é um mero wishful thinking, parece-me mais uma inevitabilidade, porque o eleitorado já não os distingue, porque os interesses já se confundem e porque, enquanto governo, quererão manter-se no poder, logo, a aproximação, dependendo da performance na governação (apesar de ser um governo fraco e bastante previsível, mesmo assim só poderá fazer melhor do que os anteriores, por impossível), converter-se-á forçosamente numa união. Veremos, em definitivo, se realmente existe pensamento estratégico no PCD, se houver, forçarão a união e fusão. Antes, porém, vão ter de pensar em fazer algumas coisas, fundamentalmente, em arrumar a casa para crescer e ser hegemónico no futuro partido.

O PCD tem a vantagem de ter deixado fora do governo muita da sua gente válida, pelo que, estes deverão fazer o «trabalho limpo» no partido, que consistirá, em criar, imediatamente, um think tank, constituído pelos seus quadros e independentes, para dar consistência técnica e ideológica as propostas e para reforçar e rejuvenescer a sua base de apoio e a base de apoio do governo. De momento, só tem que fazer isso, nada mais, se quiserem ser vencedores depois. A ver se são capazes.

Abílio Neto



terça-feira, maio 30, 2006

O filme - Infiltrados, Spike Lee








Spike Lee não tem nada a provar. Nunca teve.

Sobre os filmes dele, já li e ouvi dizer que eram filmados com truculência, que estava preso a um olhar único, que era óbvio na abordagem, que o argumento ia condicionado, que não era capaz de fazer um grande filme e patati patata. No Inside Man não vi truculência, vi subtileza, vi minimalismo, vi cinema do melhor, por isso, ignoro o resto e o patati patata, e afirmo directamente: desde o seu primeiro filme que Spike vem fazendo grandes filmes, e este é mais um, só pode pensar o contrário quem não gosta de cinema com autoria ou um crítico de cinema europeu.

Este filme só vem provar que o Spike Lee, ou melhor, a sua Directora de Casting, no She Hate Me, Kim Taylor Coleman, cometeu um tremendo erro ao entregar o papel principal ao Anthony Mackie, não que ele seja mau actor, simplesmente não servia, o Chiwetel Ejiofor é bem melhor, porque sim, e porque consegue boas mudanças de ritmo, tem química e é credível em tudo o que faz, e isso nota-se aqui no Inside Man.

Contar com Chiwetel é poder abusar das subtilezas e vantagens da escola inglesa de interpretação. A Directora de Casting, que é mesma, redimiu-se, e fez bem. O melhor do filme passa pelo constante diálogo interpretativo entre as personagens do Denzel e do Chiwetel e pela excelência dos secundários.

E é aqui, na direcção de actores, sobretudo, dos secundários, que Spike Lee tem mostrado toda a mestria do seu cinema, e se assume como autor, tão autor quanto Woody Allen é um autor. Ir ao cinema para ver os seus filmes, e gostar, está destinado aos que se divertem com interpretações dos secundários, o mesmo acontece com o cinema de Woody Allen, que também não é simpático a muitos, precisamente, pela importância atribuída aos secundários, o que tem o bom efeito de disseminar a narrativa em diversos centros, obrigando a toda a atenção do público. Mais quando, os secundários têm matéria, argumento bem escrito, contido e minimalista, para trabalhar a fundo a interpretação.

A Jodie Foster não precisou de fazer «cara feia». O Clive Owen não precisou de ser mau. O Christopher Plummer deixa dúvidas enquanto diz palavras. Nada é certo, incluindo o final. É tudo assim, pouco claro. Como é evidente, nem toda a gente está disposta a ir ao cinema para isto, para o imprevisível. Aceitável, mas contestável.

O pormenor da música inicial (da abertura) tem criado alguma polémica, nomeadamente, sobre o seu propósito. Eu cá tenho a minha ideia sobre o assunto. Salta a vista, nas primeiras cenas do filme, a profusão de utilizadores de i pods pelas ruas de NY. Toda a gente tem auscultadores brancos nas orelhas. Ora, a cultura das podcast - a qual não aderi, porque gosto de ouvir música em casa, à antiga, em stereo hi-fi - , baseia-se em coleccionar música como quem colecciona informação ou selos, ou seja, os i poder armazenam canções para as transportarem. E o que o Spike quis desmontar é essa ideia de coleccionismo musical, sem sitio nem conexão possível, valoriza-se mais o que for mais distante, quanto mais estranho melhor. E aquela música, só pode fazer sentido nessa perspectiva. Eu teria escolhido qualquer coisa do Japão, talvez do Nobuzaku Takemura, alguma electrónica planante, atmosférica, jazz e world music, à mistura. Se fosse eu!

Mas que grande filme, de qualquer forma.
Abílio Neto

A revista - blue Wine




Saiu em Abril uma nova revista de vinhos e gourmetismo em Portugal, esqueci-me de dar o destaque devido e merecido: blue Wine.

Aconselho a todos aqueles que se queiram iniciar nestas coisas. Grafismo extraordinário, artigos com muito interesse e uma abordagem urbana, pop e acessível da temática, sem deixarem de ser técnicos. Nada da habitual abordagem «secante» e balofa. Excelente revista.

O quadro de colaboradores é extraordinário. Jancis Robinson, uma das mais conceituadas críticas de vinho, a guru dos vinhos portugueses no estrangeiro. Richard Mayson, a «enciclopédia» viva do vinho, outro guru dos vinhos portugueses no estrangeiro. Luis Gutierrez, a mais moderna e relevante «personagem» espanhola, um espanhol iberista e internacional, do El Mundo Vino.

E finalmente, Rui Falcão. Faço-lhe o destaque porque, para mim, é o melhor crítico de vinhos português. É-o, porque não se limita a interessar-se pelos vinhos portugueses, é um verdadeiro cosmopolita dos vinhos, está à vontade com vinhos austríacos, alemães, italianos, franceses, espanhóis, chilenos, argentinos, australianos e de outros países, mas mais do que à vontade, conhece-os e divulga-os sem complexos (zero «do que é nacional é bom»). É-o, porque na sua postura crítica dá destaque a vinhos, castas e regiões, normamelmente, esquecidos e menosprezados em Portugal, como os colheitas tardias e os moscáteis, a siria, a baga e a godelho, as Beiras e Madeira. É-o, porque utiliza uma outra linguagem, digamos, alternativa a normal linguagem da crítica de vinhos, nota-se que também lê romances. Leio o Guia Os 5 Às 8. Eu gosto do estilo do Rui Falcão e não o escondo. E tenho o privilégio de o conhecer.

Aguardo com ansiedade o próximo nº da blue Wine.


Abílio Neto

sexta-feira, maio 26, 2006

A política - As Legislativas de 26.Março.2006, os vencedores (I)





Em política, há vencedores e vencidos, e depois, há dois tipos de vencedores: os que vencem já e os que vencem depois. No caso santomense, até às últimas eleições legislativas, foi sempre muito difícil distinguir estes dois tipos de vencedores, por 3 razões muito simples.

A 1ª razão, tem que ver com a falta de distinção ideológica dos partidos políticos, pelo que, até estas eleições, seja qual tivesse ganho, não foi relevante, em termos da apreciação de uma razoável gestão de utilização qualitativa do poder, porque, objectivamente, não tem havido grandes alterações na forma como os sucessivos vencedores têm vindo a gerir as estadas na governação, quando legítima e imediatamente a assumem.

(Quase como se o país só tivesse 1 único grande partido, representando os actos eleitorais uma espécie de Congresso Nacional do mesmo e as diversas siglas uma espécie de nomes de tendências internas).

A 2ª delas, que é uma continuação da anterior, tem que ver com o facto de os líderes políticos recusarem assumir responsabilidades pelos resultados, como sendo seus, ou seja, como a avaliação das suas estratégias e das suas acções, logo, poder deduzir-se não ter vindo a estar realmente em causa, nas sucessivas eleições, diferenças no pensamento, nas propostas e nas práticas, mas sim distintos caracteres que representam e significam o mesmo, o que não os distingue e o que não se distingue.

(E a coisa piora quando se chega ao poder, se no a priori, não se é capaz de responsabilizar-se, percebe-se que durante o seu exercício, o a posteriori, a postura mantém-se, e percebe-se melhor se a governação é exercida pelo mesmo bloco de pessoas, que pensam semelhante e agem igual, o que justifica a alternância da mediocridade dos sucessivos governos).

Finalmente, a 3ª razão. Tem tudo que ver com o carácter fragmentário das diversas elites santomenses, que não sabendo criar força social por si, preferem diluir-se indistintamente, num único bloco, que passa a ser a fonte única do poder, não sobrando nada a volta que possa pressionar, que possa condicionar e que possa alterar a situação. E isso nota-se quando se fala com um santomense médio, no seu discurso, a palavra elite nunca é plural, é sempre singular, não lhe passa pela cabeça que devem existir várias elites, no sentido horizontal e vertical de posicionamento. E isso também se nota quando já não é possível a um santomense médio diferenciar com segurança as elites políticas das empresariais, p/ ex., e assim acontece porque a lógica é mesmo a de acantonar a liderança social num único bloco político.

Deste modo, resumidas as razões, superficialmente, pode parecer que depois destas últimas eleições tudo terá ficado na mesma, pois, mas não ficou, engana-se quem insista em fazer uma leitura simples, sem tentar entender que havendo um vencedor já, como se sabe, a Coligação MDFM-PCD, algo faz-me pensar que haverá vencedores depois, como se devia saber, a ADI, e, como não se devia saber, o PCD.

Antes, vejamos em abstracto.

O raciocínio e as distinções.
O vencedor já é o partido que ganha efectivamente as eleições e obriga-se a governar. O vencedor depois é o partido que, não tendo ganho, longe disso, pode chegar ao poder, pré-negociando (coligação) ou negociando, caso lhe convenha, ou pode optar por não ir para o governo, mantendo-se na oposição, convenientemente, sem pressões, à espera de qualquer coisa. O 1º cresce o que tinha que crescer, enquanto que o 2º mantém o seu potencial de crescimento intacto.

A grande diferença entre um vencedor já e um vencedor depois é que o tempo político joga sempre a favor deste.

A realidade e as circunstancias.
Normalmente, isto acontece em ambientes políticos muito fragmentados e instáveis, que dificilmente são propensos a maiorias de um só partido, nos quais tudo se processa sem surpresas, as eleições nunca esclarecem, o acesso ao poder reparte-se por interesses que se fazem representar. Normalmente, de acordo com os resultados das eleições, entre o vencedor já e o vencedor depois existe sempre um outro partido, o «derrotado», que não conta para o futuro imediato, porque saiu do governo e porque não entende que tem que mudar (se quiser ter opções) e que costuma ser um grande partido, que domina e contamina o estado, estando ou não no poder.
(continua)
Abílio Neto

terça-feira, maio 23, 2006

A arte - Frida Kahlo, no CCB





Saí de casa, num sábado à tarde, para ir ver a exposição da Frida Kahlo no Centro Cultural de Belém, uma semana antes de a itinerante mudar de cidade e de país, assim, como todos que, de uma forma ou de outra, têm uma paixão pelas coisas da cultura e da arte, tinha que ir ver o acontecimento. E fui.

Comecei por estranhar a quantidade de carros estacionados nas imediações do CCB, não havia lugares e já havia polícias a multar, em sítios onde habitualmente não multam.

Vista a confusão, decidimos estacionar no parking do CCB. Deixei de estranhar. O parking, que é dos mais baratos de Lisboa, estava vazio, o que só podia querer dizer uma de três coisas: ou, os donos dos carros lá fora não conheciam o estacionamento, ou os donos dos carros eram lumpenes, ou as duas coisas juntas. Lá dentro, percebi que era «as duas coisas juntas».

A Frida Kahlo mais do que uma pintora é uma iconografia, ela é cinema, ela são ensaios sobre identidade, género, sexualidade, esquerdismo, estética, ela é música de Lila Downs e de Lhasa (que eu prefiro) e ela é também arte, como tal, era de esperar uma romaria ao altar da mexicana montado na sala de exposições do CCB, exactamente, no mesmo dia, que outros iam de romaria para Fátima. A diferença…?

Sem mais rodeios, eu não consegui ver a exposição, e duvido que alguém tenha conseguido, porque não me deixaram! Esclareço. 1º, a enchente era tão grande que não era possível estabelecer um ritmo certo de visualização das obras (como acontece nas grandes exposições nos outros países da Europa); 2º, o público era tão «entendido» e «habituado» às exposições que não conseguia seguir as indicações da ordem de visionamento (como acontece nas grandes exposições nos outros países da Europa); 3º, as pessoas não sabiam se comportar, estar ali ou estar nos saldos na Zara do Colombo dava igual, vi pessoas a colocarem os dedos no acrílico que protegia as obras, vi pessoas a lerem os textos de suporte de costas para os quadros, não permitindo a sua visualização, vi de tudo (como não acontece nas grandes exposições nos outros países da Europa); a organização era péssima, desde textos de apoio com excesso de texto e com grafismo minúsculo sob fundo colorido, até não haver barreiras de distância entre as obras e o público.

A exposição que tinha interesse, com obras do Museu Dolores Olmedo, apesar de muito centrada na vida de Frida, fotos, vestuário etc., como já se sabia, passou-me ao lado, porque, repito, não era possível vê-la com tranquilidade.

Parei 2 minutos, tudo o que consegui, para ver com atenção «A Coluna Partida».


Abílio Neto

terça-feira, maio 16, 2006

A vida - Um jantar em casa em honra a Primavera







Em finais de Março, em casa, a minha mulher, a Angela, resolveu, e bem, fazer um arroz de carqueja, um vulgar arbusto usado com mestria na gastronomia beirã como planta aromática. Como era uma experiência nova e ansiada e, ainda por cima, repentina, achamos por bem partilhar a tentativa com mais pessoas, melhor, achamos interessante arranjar «cobaias» para partilhar a tentativa. Na verdade, quando se vai tentar um prato pela primeira vez, deve-se ter convidados em casa, porque se a coisa sai mal, joga-se com o constrangimento, nunca vai tudo para o lixo, uma questão de… economia!

Assim, convidamos os nossos vizinhos Cláudia e Pedro e a Rosa e o Rui, dois casais amigos, porque para convites, fica sempre bem pôr as mulheres em primeiro lugar.

Vamos lá ao arroz de carqueja. E ao jantar.

O arroz para estar óptimo teve um único problema: a cozedura, passou-se um pouco, por minha culpa; fui o responsável pelas compras finais e levei para casa um carolino, quando a Angela me havia pedido um bom agulha (estranho, porque os espanhóis praticamente só utilizam o carolino), que comporta, pede, uma cocção longa e tranquila, mais o facto de se ter distraído a terminar as entradas, as tapas.

De resto, espantou-me o aroma da carqueja, dá um perfume tremendo, aliás, sem exageros, perfumou toda a zona social da casa, não fazia ideia que tal pudesse acontecer. E o sabor é excepcional, muito fresco e marcante, faz lembrar a leveza da hortelã, mas com toque de palha seca, feno ou algo parecido, muito bom. Até me fez lembrar o micócó. Vamos repetir brevemente, sem dúvidas.

Percebi agora a proliferação do arroz de carqueja nas cartas de quase todos os restaurantes tradicionais das Beiras, sobretudo no interior. A carqueja parece ter muito potencial, só não percebo a sua utilização culinária limitar-se ao arroz.

Para acompanhar o dito, optamos por um tinto ribatejano, o Cadaval Pinot Noir 1998, e outro tinto espanhol, da Ribera del Duero, o Más de Leda 2003. Qualquer um deles, muito bom, apesar da diferença de estilos; o Pinot, da Casa Cadaval, mais elegante e exigente; e o Tempranillo, da Más de Leda, mais de ataque e directo.

Outro pormenor, estive na dúvida com o vinho para as entradas, quase tudo a base de marisco, fumeiros, patés e foie-gras, mas também com uns espargos com iogurte, regados com azeite xtra virgem aromatizado de lima, optei por um Valle Pradinhos Branco 2005, que gosto muito, nunca desilude, sobretudo, se bebido a temperatura adequada, por volta dos 10º, para realçar a complexidade dos aromas. Não consegui ter a certeza de ser a melhor a escolha para o conjunto das entradas, se calhar devia ter arranjado um outro branco, não sei, talvez um mais seco, um Xerez Fino ou um Dão Encruzado, porque isso de combinar vinhos com lácteos, no caso, iogurte, não é fácil.

Posso dizer que terminamos com um Dow's Vintage 2003 e um Duquesa PX, para celebrar. E aqui tenho que parar um pouco para realçar a excelência deste Porto, oferecido pelo Rui, por isso, desde já, o meu profundo agradecimento, porque a experiência báquica foi de sonho.

Os Vintage só são possíveis em anos muito bons, os Porto Vintage 2003 são vinhos excepcionais, ou melhor, o ano de 2003 foi um ano fantástico no Douro. Este Dow’s é simplesmente considerado pela crítica internacional e portuguesa como um dos melhores, p/ ex., 19,5 pontos na Revista de Vinhos, 18,5 na blue Wine e 96,5+ Roy Hersh (um dos grandes especialistas mundiais em vinhos do Porto). E fez jus aos pergaminhos que trazia. Divinal e indescritível. Não é melhor do que os meus Vintage 2003 preferidos, o Fonsecas Guimaraes e o Poças Director’s Choice, mas está ao nível dos melhores, sem dúvidas.

Num clima de descontracção, boa onda e óptima conversa, fomos degustando, a verdade é que o jantar foi muito bom.

Abílio Neto

sexta-feira, maio 12, 2006

A música - No Sign of Bad, Djosos Krost





Não tenho grande simpatia nem pela estética, nem pela ideologia rasta. Aliás, não gosto de rastas, é um complexo meu, muito antigo, vem dos tempos em que pensava melhor com a libido, que não é um órgão, do que com a cabeça sem tranças, mas bem limpa, pelo menos, de aspecto.

Naqueles tempos, não havia miúda que não gostasse de dreadlocks, «apetece fazer festinhas!», diziam quase sempre, «e que tal fazer festinhas num esfregão da Bravo!». Os rasta eram a maior concorrência, daí eu não gostar deles. Fartei-me de ouvir: «porque é que tu não fases aquilo… também?» Mas como é que eu podia fazer «aquilo», se nunca gostei de ter cabelo sequer, bem, excepto naquele período Cameo, Larry Blackmon, cujas fotografias estão todas oportunamente desaparecidas. Foram outros tempos.

Em homenagem ao 25º aniversário da morte de Bob Marley, 11.05.1981, resolvo escrever sobre o último álbum reggae, fundamentalmente reggae, mas muito dub, que comprei e tenho estado a ouvir com imenso gosto. As últimas coisas que comprei foram do Gregory Isaac, ainda em vinil, e não se pode considerar bem reggae, porque falta-lhe a cultura rasta e aquelas tretas de pacifismo e de terceiro-mundismo, é mais love rockers, mais agradável, melódico (muito mesmo) e pertinente.

A banda é dinamarquesa, o que me fez pensar no Thomas Han, um amigo dinamarquês doido pelo rewind and selecta, que me deu a conhecer muito de toaster, roots reggae e dub e que me gravou a melhor cassete de toasting, uma sessão sua, que ainda tenho lá em casa. (E também «deixou-me», porque ficou comigo, o melhor álbum de Jorge Ben, que conservo). Obrigado Thomas, gostava de voltar a ver-te, nesses dias em que a Dinamarca não vai ao Mundial de Futebol e em que já ninguém diz que tem amigos dinamarqueses, pois, eu tenho e digo.

O que me agrada nos Djosos Krost é que usam bem toda a estética reggae (dub, incluído) e até vão ao extremo ideológico de serem rasta, especialmente, nas letras das canções, não caindo no habitual choradinho de ataques estéreis ao capitalismo, em nome da Babilónia e outros despropósitos. Apostam no bom gosto.

I give love, I take love,
I need peace, what will come to me,
I don’t wanna be part of this craziness, crazy world,
Call it off,
What we need is,
No more war, no more killings.

Call it off, No Sign of Bad, Djosos Krost

Nos dias que correm, ninguém acredita nisso, mas convenhamos, bolas!, é lindo. O refrão deixa-nos felizes, faz-nos rirb - sem fumos e charutos estranhos - , até nos convida a abrir uma garrafa de Rosé ou uma de Sirah. Tenho ouvido e re-ouvido, com muito gosto; tem-me feito sonhar acordado, o que já não fazia há algum tempo.


Abílio Neto

segunda-feira, maio 08, 2006

A politíca - As Legislativas de 26.Março.2006, a vergonha (IV)




Vergonha e desilusão.

É em momentos como estes que se revelam os homens, sobretudo, os patriotas, e estes não precisam de ser grandes, nem heróis, nem históricos, nem duros, nem corajosos, nem justiceiros, nem ter linhas, basta-lhes ser santomenses, santomenses normais.

Eu detesto o conceito romântico de patriotas, patriotas à antiga, porque normalmente, vai ligado a tipos dados a actos pretensamente heróicos, tipos disponíveis a agir por causas com prémios, mas sem peso, sem medição de risco, tipos mais do que tipos, gigantes, algo antigos, algo que julgo não ser capaz de ser, por desnecessário e suicida e desmedido e emocional, logo, não vejo utilidade disso noutros homens, nem sequer vejo que esse tipo de homens possam verdadeiramente fazer bem a um país, mais quando o (nenhum) país lhes pede tão grande voluntarismo, mais quando, tipos destes têm responsabilidades no país.

Talvez, daí já não conseguir, hoje, ver os filmes com o Errol Flinn, actor que personificava sempre essa espécie de herói, como são os patriotas à antiga, tipos com poder, que assaltam edifícios, não respeitam as leis, pisam as instituições, abusam da sua posição privilegiada, inventam situações estúpidas, porque não sabem inventar outras, e ainda nos pedem para acreditar que agem de boa fé, porque são patriotas ou algo parecido, quando nada, sobretudo o patriotismo, pode justificar o que eles fazem.

Depois de tudo, depois de desrespeitarem tudo, vão mais longe, acham que devem merecer a nossa simpatia, a simpatia das pessoas normais, que não nos revemos neles e nas suas aventuras, porque percebemos o que eles, no seu autismo, nunca percebem que nós percebemos: a causa do herói é a causa do poder. Tanto assim é, que no fim da história, invariavelmente, o herói fica com a mulher mais linda; covardemente, encosta-se ao poder, não o toma; e o Rei, habitualmente, dá-lhes mais poder ainda, como prémio, e tudo termina num aborrecido happy end. Não percebo, hoje, nunca perceberei os filmes do Errol Flinn, que sempre foram de e sobre o poder, o pior poder, o poder.

Por isso, prefiro pensar numa espécie de patriotismo contemporâneo, mais leve, mais versátil, mais diverso, partindo da pessoa, da cidadania, que exige, só, que cada homem goste do seu país, dentre outras coisas, e que olhe para ele de forma viva, compenetrada e objectiva, sem ter que se sacrificar definitivamente por ele, sem ter que ter como suporte dessa relação bandeiras, símbolos, línguas e outras mediações para gostar do sitio onde nasceu.

Eu gosto de São Tomé e Príncipe assim. Normalmente, sem manifestações grandiosas, nem actos heróicos, que o país não me pede. Não gosto de gritar que gosto das minhas ilhas. Não preciso de artifícios para assegurar que gosto. Não gosto do país que tenho visto e que me querem oferecer como sendo o meu, mas que não reconheço, porque não querem que eu e muitos outros que gostamos continuemos a reconhecer.

Eu sou um santomense, claro que sou, se essa mesma pergunta fosse feita aos protagonistas que criaram a situação vergonhosa em que o país esteve depois das eleições, não acredito que, hoje, fossem capazes de responder sem que as palavras não lhes saíssem dubitativas e nervosas, a não ser que já não respeitem o país, nem as suas gentes. De todas as formas, independentemente de darem esse mísero show A Grande Vergonha, eles serão mais patriotas do que eu, afinal são eles os que conseguem montar a tenda e dar o espectáculo, e não eu, que me escondo num voyeurismo intencionalmente neutro e embaraçado.

Hoje, não vale ser irónico, não vale ser cínico e muito menos vale ter raiva ou recordar toda a estupidez passada e presente, o momento pede-nos antes toda razão e razoabilidade para ajudar a ultrapassar o tremendo embaraço em que nos metemos, depois, depois sim, que venha toda a desilusão por termos todos - desta ou daquela maneira, por acção ou por omissão -, contribuído para isso, não é possível dizer que não, mesmo que não se saiba o que fazer, mesmo que nunca se tenha feito nada.

A responsabilidade é nossa, é de todos, assumamo-la, porque um ridículo dessa grandeza, do tamanho do Everest, feito num país de 120.000, só pode ser da responsabilidade de todos, nem que seja para termos todos a noção do que nos falta escalar na montanha da civilidade, por isso, mesmo não tendo nada que ver com os principais intervenientes do show A Grande Vergonha, desta vez, eu assumo, partilhando a pena, por não conseguirmos ser melhores.

Todavia, desde já, deixo claro que, da próxima vez, não assumirei por osmose, não assumirei a não ser que me faça artista, e se tal vier a acontecer, jamais aceitarei entrar em farsas com tão maus artistas, como são os actuais. Ainda bem que não se consegue piorar, porque pior é impossível


Abílio Neto

O filme - Capote, Bennett Miller






É por estas e por outras que eu gosto tanto da América e não gosto tanto dos EUA, a 1ª é uma deliciosa entropia, enquanto que a segunda propõe uma conspirativa anomia para vencer o melhor que tem, a 1ª.

A coisa começou complicada para escrever sobre um objecto de arte muito singelo: Capote. O filme. Vagamente inspirado no período da vida de Truman Capote em que ele escreve À Sangue Frio. Não li o livro, apesar de o ter lá em casa, na estante.

Acontece que, para mim, Truman Capote é o argumentista de Breakfast at Tiffany’s, a minha comédia romântica preferida, a melhor de todas, afirmo eu, que tenho um fraco por comédias românticas, por isso, sei do que estou a falar. Provavelmente, só por isso, já iria ver o filme. Seguramente, fui vê-lo por ter como protagonistas Catherine Keener e Philip Seymour Hoffman, dois actores que merecem toda a minha admiração, pelo seu criterioso u percurso, que passa muito pelo cinema independente ou alternativo, e pelo talento óbvio de cada um deles.

(Abro um parêntesis para explicar a minha «queda» pela Catherine Keener. Quem gosta de cinema tem a tendência em fixar as «grandes» ou as «mais belas» ou «as mais belas grandes» actrizes, eu também o faço, mas, paralelamente, resolvi criar a minha categoria de actrizes, «as-fantásticas-e-maravilhosas-que-nunca-serão-grandes-nem-belas-mas-são-sublimes», aí, incluo a Catherine Keener, junto a Debra Winger, a Angela Basset, a Julianne Moore, a Annabella Sciorra, a Linda Fiorentino, a Dianne Keaton. São actrizes que impressionam por nunca serem óbvias, sorriem, não riem, soluçam, não choram, soslaiam, não olham, dizem, não falam, seduzem, não apaixonam, são imperfeitas, não são bonecas, são lindas, sem ser belas, são admiráveis.)

Volto ao Capote. O filme.

O intrigante do filme é que ele é culturalmente negro, não no sentido do film noir, mas no sentido afro-americano de negro. Não, a minha análise não resulta de qualquer obsessão culturalista, mas somente de uma interpretação do que vi na obra, algo, que qualquer um pode ver, desde que não seja um crítico de cinema europeu, de hoje.

Explico-me.

Logo numa das 1ªs cenas, daquelas com impacto, em que o actor principal (faz-se ao Oscar) desbordando interpretação, dominado a cena com trejeitos e palavras, o argumentista (faz-se ao Oscar, também) concebendo uma reflexão inteligente sobre James Baldwin, as suas condições (gay e negro) e a sua obra e, finalmente, o realizador (faz-se ao Oscar, igualmente), filmando, majestosamente, uma festa numa cave, com travellings sobre Philip Seymour Hoffman e a sua audiência, subtilmente, direccionando a câmara para um negro que descia ou subia as escadas (já não me lembro bem), que poderia bem ser James Baldwin, pela parecença física. Delicioso.

E depois, continuamos com a centralidade narrativa da personagem de Catherine Keener, Harper Lee, assistente e amiga de Capote, escritora e autora do livro Não Matem a Cotovia / To Kill a Mockbird, que li e tenho lá em casa e que deu origem ao magnífico filme com o mesmo nome, com o qual Gregory Peck ganhou um Oscar, se não me engano, e que também tenho lá em casa em DVD.

(Abro outro parêntesis para dizer que Não Matem a Cotovia, o filme, é dos preferidos dos meus pais, lembro-me de os ouvir repetir, vezes sem conta, da sua admiração por essa obra.)

De facto, Capote, o filme sem a Harper Lee não é nada, perde toda a complexidade narrativa, sobretudo, ao insistir-se em acentuar o contraste entre a segurança dela como escritora e a insegurança do Truman Capote na construção da sua escrita e na sua dificuldade em distanciar-se da realidade da obra para, verdadeiramente, a tornar ficção, sendo que os dois partilhavam de algumas mesmas angústias. O melhor do filme, o único filme que vi.


Abílio Neto

O futebol - Adeus, Zidane






Numa entrevista a um jornal desportivo espanhol Zidane disse que o seu jogador preferido era o Enzo Francescoli. Percebe-se. Até nisso, tenho que lhe elogiar o bom gosto, porque partilho dele, aliás, depois de Madjer e de Francescoli, jogadores estéticos, elegantes e subtis, avessos a tratar a bola como um hamburger ou qualquer outra coisa vulgar, veio Zidade, que elevou tudo isso aos píncaros, deixando-nos, aos apreciadores de futebol-arte, a triste sensação que, a apartir de agora, a estética, a elegância e a subtileza, no futebol, deirão de existir. De agora em diante, estamos condenados a aplaudir os grifos do futebol.
Wordsworth: "Ainda que já nada nos possa devolver o tempo do explendor na relva e da glória nas flores, não devemos afligirmo-nos, porque a beleza subsiste na recordação".
Adeus Zidane, adeus Zizou, adeus Real Madrid dos Galáticos, que nunca foi um sonho, foi real, existiu.
Abílio Neto