sexta-feira, abril 07, 2006

O futebol - Jordão / Liedson






Na véspera de um decisivo Sporting – Porto, lembrei-me de aceitar o desafio de alguns amigos que, nos últimos tempos, têm-me sugerido fazer uma comparação entre dois jogadores de futebol: o Liedson Muniz e o Rui Jordão. O cabo dos trabalhos para qualquer sportinguista ou para qualquer amante de futebol. Liedson versus Jordão, algo, assim, como comparar o thrill da Sharon Stone ao da Anne Bancroft, não se faz, não é possível, até porque a Anna Maria Italiano não fez partes 2, não precisou de se repetir, para ser a Senhora que era.

Um dos meus amigos, numa perspectiva cultural e política, defende que ambos, sendo jogadores fabulosos, não são merecidos pelo Sporting e pelos seus adeptos, ou seja, o club e os seus adeptos não sabem (ou não conseguem) valorizar suficientemente a qualidade dos dois, e vai mais longe, sugere que assim é porque são negros e idiossincráticos, e o país, Portugal, continua a não ter disponibilidade para se divertir e valorizar, genericamente, personae, muito menos, e especificamente, personae futebolistas, as 2 coisas + negro, menos ainda. Ele é do Benfica.

O outro amigo, tem um outro ponto de vista, fundamentando-se estritamente nas qualidades futebolísticas, diz que, apesar de considerar o Liedson mais futebolista - defende, ataca, esforça-se, desgasta-se -, o Jordão era mais jogador, aliás, era o Jogador, redimensionava o jogo e levava-o ao extremo de o tornar sublime, contudo, os dois são decisivos e corajosos. Ele é do Sporting. Ele é jordaniano.

Bem, antes de escrever seja o que for sobre os dois, para que se compreenda, tenho que dizer que considero o Rui Manuel Trindade Jordão um dos 4 melhores futebolistas de sempre, juntamente com o Emílio Butragueño, o Jean Tigana e o Enzo Francescoli. Sobre estes não vou falar. Sobre o que os une, o que faz dos 4 os meus favoritos de sempre, sim, posso confessar que lhes admirei e admiro a classe, a coragem, a simplicidade de métodos, sendo artistas, e a capacidade, quase impensável num desportista, de serem discretos, distantes e frios, mesmo, na hora de decidir, dentro e fora de campo.

Ora, o Jordão era e é isso tudo e o Liedson não é nem será, mas, de facto, decide (que é o que espero que faça amanhã), não se esconde, mas falta-lhe a frieza, o distanciamento, sobretudo, falta-lhe o futuro, falta-lhe o amanhã, eu sei que ele não será um pintor, não será um estudioso distanciado do mundo do futebol, não fará parte de um governo, não será um gestor, não será falado para treinador da selecção do seu país e não haverá um culto a sua volta, seguramente. Liedson é leve, mas será celebrado, precisará sempre de o ser para não ser esquecido; o Jordão foi pesado, nunca será celebrado, nem nunca precisou de o ser, porque sabe que o culto ao seu futebol existe, e, como qualquer bom culto, é minoritário e exigente, pede bom gosto.

Eu sou daqueles que ainda vi na televisão as imagens de um célebre Sporting – Benfica de 28 de Março de 1982, em que precisávamos de ganhar em Alvalade para termos opções ao título, o que Jordão fez foi muito simples, resolveu com um hat-trick, ganhamos 3-1 e o Rui comemorou os golos como só ele sabia, corria sem sair do lugar, mas saia, e no final, explodia, levantando o punho para o céu, parecia que ia voar. Lindo.

Abílio Neto

quarta-feira, abril 05, 2006

A televisão – Lost / Perdidos






Enquanto Eduardo Prado Coelho e Vasco Pulido Valente, há dias, resolveram escrever nas suas colunas no Público sobre a série CSI, eu resolvo escrever aqui sobre Lost / Perdidos, outra série americana em transmissão na TV, que acho fabulosa, apesar de não ser insensível a Crime Scene Investigation.

Eu li os dois artigos com muita atenção, por não ser normal dois intelectuais escreverem nas suas colunas sobre séries de televisão e muito menos sobre a mesma série.

O EPC é um aficionado confesso de alguns fenómenos televisivos, inclusive, tem-se dado ao luxo de, descomplexada e descontraidamente, escrever maravilhas sobre algumas telenovelas da Globo, realçando e insistindo na qualidade narrativa de algumas, argumentando, ainda, que, tratando-se de fenómenos de massas, abordam temas com interesse, com a leveza obrigatória e compreensível, o que me faz imaginar as conversas que deve manter com os seus pares académicos sobre o assunto:

- Julgo identificar algo de pós-freudiano, irracional e até de... pós-estruturalista na relação dele com a Mónica, não achas? Pergunta EPC.

- Com certeza, tal e qual como Philip Roth vê a situação no seu A Mancha Humana!

- Não, refiro-me à Mónica da telenovela Mansões e Uma Casa na Favela...e não à Monica Levinski! Exclama EPC.

Por essas e por outras é que ele coloca a CSI Las Vegas em Los Angeles.

O VPV que está em grande forma - vale a pena ler as suas colunas de fim de semana -, para mim, actualmente, é só o opinion maker mais lúcido de Portugal, apesar de não ser conhecido por reflectir sobre conteúdos televisivos, resolveu fazê-lo e começou a sua coluna corrigindo, subtilmente, o lapso do EPC, colocando CSI Las Vegas em Las Vegas, por aí se nota que ele está diferente, noutros tempos, em que era mais virulento, teria escrito algo parecido com isto, sobre o engano:

- A única semelhança que existe entre Las Vegas e Los Angeles, para além de serem duas cidades da Califórnia, é as duas cidades terem nomes que começam com o plural de um artigo definido espanhol... Los!

De qualquer forma, os dois resolvem «pegar» na série para fazerem uma pequena reflexão sobre o estado actual da Justiça, num mundo cada vez mais complexo e diverso, em que poderosas redes de interesses (político-financeiro, sociais e criminosos) fazem perigar, com a sua capacidade de influir e pressionar, a aplicação do Direito, conforme o conhecemos e conforme nos foi dado a conhecer. Ora, para eles, a série é louvável porque, em ambientes de grande tensão económica e social, ambientes saturados (onde o crime é inevitável), como são os de Los Angeles, NY e Miami, resolve propor uma solução à quase impossibilidade de se fazer Justiça como «antigamente», que é a utilização da tecnologia ou seja uma Justiça Techno, que habilita e confere o grau de certeza e segurança que o Direito necessita para ser legítimo, obviando assim a crise de respostas. Ambos duvidam da solução, mas ambos louvam a proposta, face ao caos que a sociedade parece querer oferecer. A diferença é que EPC admite interessar-se pelo Justicialismo techno, conformando-se, enquanto VPV questiona subtilmente essa conformação ao recordar-nos que no decurso da história houve sempre essa procura de resoluções definitivas pelo lado Direito, portanto, nada de especial, nada que já não houvesse passado.

Como sei que nem um (porque correria o risco de colocar a série na Ilha do Sal), nem outro (porque está tão lúcido que a reporia logo a seguir no seu lugar, o mesmo que dizer, lugar nenhum), vão produzir uma reflexão sobre a série que mais gosto, o que posso dizer, atrevendo-me a enganar-me, é que Lost / Perdidos põe as mesmas questões, em ambiente diferente, uma ilha, ambiente sem saturação, fazendo-as parecer o que são: questões de sempre da humanidade. Faz melhor que CSI, enquanto proposta, porque não justifica as dificuldades da Justiça com os interesses, o caos da diversidade, a saturação social, mas sim com a dificuldade normal de se fazer Justiça quando existem homens que se têm que relacionar e adaptar-se ao meio e à outros homens. E isso acontece sempre que há mais de um homem.

Engana-se quem pensa que a questão / problema está somente na quantidade de homens, modestamente, não me parece, julgo que tudo anda e seguirá andando a volta da qualidade dos homens e do poder e da sua utilização.

Partindo de um ambiente 0, uma ilha deserta, sem os meios de uma sociedade moderna, logo, obrigados a criar a sua própria «sociedade», a sua ordem, os personagens de Lost, que nunca deixam de ser pessoas urbanas com hábitos e costumes urbanos, estão construídos para, em constância, nos sugerirem que o homem pós-moderno não precisa de um sitio, de um local para ser Homem e, mais, estão construídos para representar a diversidade da humanidade (não necessariamente em termos étnicos, mas também) e, por fim, estão construídos para questionar a ideia de que a origem – donde se vem -, conta, porque, aqui, na selva, o cosmopolitismo é tudo, ninguém pergunta a ninguém where are you from?, porque não há tempo para o fazer e nem sequer importa muito quando se está focado em sobreviver, essa pergunta, nesse contexto, seria uma pergunta luxuosa.


Abílio Neto

A música - Marvin Gaye, Abril e a Primavera




(2 de Abril de 1939 – 1 de Abril de 1984)

O mês de Abril será para mim o de Marvin Gaye. Uma espécie de homenagem ao início da Primavera.

(...)
Are things really gettin' better, like the newspaper said
What else is new my friend, besides what I read
Can't find no work, can't find no job my friend
Money is tighter than it's ever been
Say man, I just don't understand
What's going on across this land
Ah what's happening brother
(...)

What's hapenning brother, in What´s going on, Marvin Gaye/James Nyx

Abílio Neto

O chocolate - Neuhaus 75% São Tomé





No fim-de-semana, resolvi deliciar-me, na companhia da Angela, de uma barra de chocolate de São Tomé e Príncipe, dentre outros pequenos mimos gourmet, que postarei oportuna e convenientemente. .

Optamos por este da série Origines da Neuhaus, marca belga, adquirido na Loja Gourmet do El Corte Inglês.

A embalagem é esteticamente irrepreensível. O grafismo é discreto, destacam-se a marca, a proveniência do chocolate e a quantidade do mesmo, 75%. Tem a forma de envelope, fechada por um laço e a barra está envolvida em papel impermeável dourado, simbólico.

O chocolate é escuro, mais Alek Wek que Naomi, feito a base de cacau forastero, intenso aroma a especiarias e na boca de uma subtileza atroz, abaunilhado, nada de açúcar excessivo, nada de ranço, nada de predominância de leite, puro equilíbrio, dissolvendo-se suavemente, sem criar adstringências. Muito Bom.

A Angela diz que lhe faz lembrar o cheiro a cacau em torrefacção da estrada para São João dos Angolares, na zona da Colónia Açoriana, em São Tomé e Príncipe. Tem razão!


Abílio Neto